Crônica da Cidade

Carreata da insânia

É inacreditável, mas tem gente fazendo carreata para protestar contra os governadores que decretaram o isolamento social. Tudo isso no momento em que os estados e o Distrito Federal agonizam com o colapso do sistema de saúde no ápice da pandemia. O direito de se manifestar é democrático, mas eu gostaria de saber em que país essas pessoas vivem e onde se informam para chegar à conclusão de que a culpa pelo caos é dos governadores.

Em um ano de crise sanitária, deveríamos ter aprendido alguma coisa com o que acontece no Brasil e no mundo. Desde o início, detentores do Prêmio Nobel avisaram que é falsa a dicotomia entre saúde e economia. Se não resolvermos o problema sanitário inviabilizamos a economia, a educação, os esportes e o turismo. E a palavra deles se transformou em realidade.

Infelizmente, o nosso país é o exemplo mais acabado do que não fazer para combater a pandemia. Fizeram o manual de tudo que é errado. Já ultrapassamos os Estados Unidos em número de óbitos e estamos no topo do ranking. O Brasil virou uma ameaça global, o restante do mundo está com medo de se contaminar com o nosso país. A cada dia, aumenta a pressão de instituições internacionais, de países e até de fundos de investimento.

Mesmo com esse quadro desesperador, em vez de ouvir a ciência, algumas pessoas insistem em seguir as recomendações do doutor Zap ou da doutora fake news. Somente essa circunstância pode explicar o fato das carreatas para contestar as medidas de isolamento social.

Claro que elas causam transtornos, dificuldades econômicas e falências. Mas a maior objeção que faço aos manifestantes é a de que eles estão fazendo protestos no endereço errado. A essa altura dos acontecimentos, decretar o isolamento social é a única alternativa que resta aos governadores para defender a vida.

Se a gana é de protestar, os manifestantes deveriam expressar o inconformismo com as excelências que não compraram vacinas quando deviam, ficaram no fim da fila e deixaram sem proteção milhões de brasileiros. Deveriam, também, exercer o democrático direito de protestar, dirigindo-se para frente do Palácio do Itamaraty e reclamar do chanceler que hostilizou, infantilmente e burramente, o governo da China, o maior fornecedor de insumos para a produção de vacina.

Essas tolices atrasaram, ainda mais, a fabricação dos imunizantes. E, aproveitando a proximidade, poderia cobrar também dos governantes e dos parlamentares que fizeram campanha negacionista nas redes sociais, com o disparo de fake news sobre a vacina, o isolamento social e o uso da máscara. São os únicos recursos de que dispomos para salvar as nossas vidas.

E, ainda, poderiam postar-se em frente aos palácios das excelências que trocaram quatro ministros da Saúde no período de um ano durante uma pandemia. Tudo isso junto explica o fracasso espetacular na gestão da crise sanitária. Quem produziu o lockdown foram as excelências negacionistas. Vemos duas enfermeiras cuidando de 28 pacientes ou o desespero dos médicos fazendo gambiarras de tubos de oxigênio para salvar vidas.

Neste momento dramático, fazer carreata contra os governadores que tiveram a coragem de decretar o isolamento social é covardia, ignorância, desumanidade e falta de compaixão. É preciso se manifestar contra as medidas absurdas, mas tenho a impressão de que os protestos estão dirigidos ao endereço errado. O alvo não pode ser os que defendem a vida, mas, sim, os que provocam a morte.