Crônica da Cidade

As nossas excelências


É claro que os epidemiologistas, os nossos profetas do óbvio, estavam certos. Nossos mortos ultrapassam chegam a quase 260 mil, tragédia nunca atingida por qualquer guerra na qual o país se envolveu. As festas de fim de ano e o carnaval levariam ao colapso do sistema de saúde. Na pandemia, colhemos o que plantamos. O vírus contamina com uma velocidade quatro vezes maior do que no início. Em todo o país, o sistema de saúde entrou em colapso.

A única saída dos governadores é decretar lockdowns, que afetam o comércio já combalido por uma situação de crise prolongada. E, enquanto isso, o que faz a Câmara dos Deputados? Articula, na surdina, a toque de caixa, uma absurda PEC da impunidade para autoblindar-se contra eventuais prisões. Querem transformar a Constituição Cidadã em uma Constituição Frankestein, que protege e estimula a delinquência.

O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros, afirmou que a prisão de Daniel Silveira não era boa para o Brasil. Parece que alguns parlamentares vivem em outro país imaginário. Diferentemente do que diz sua excelência, a reclusão do parlamentar foi um das raras notícias positivas para o Brasil nas últimas semanas. Felizmente, a pressão da sociedade e da imprensa barraram a ação de falta de decoro parlamentar. Por enquanto.

Se a Câmara tem tanta gana de legislar a toque de caixa, que, ao menos, mire no alvo justo. Seria urgente que ela criasse uma lei para punir, severamente, os negacionistas que conspiram contra a saúde em um momento dramático de calamidade pública. Enfrentar o coronavírus e suas variantes é uma tarefa titânica para qualquer governo.

Mas, se além do inimigo invisível, o sistema de saúde e os governos estaduais tiverem que lutar contra a campanha antivacina, antimáscara e antidistanciamento social, fica difícil debelar a crise. Ser contra a vacina é uma das atitudes mais estúpidas da história da humanidade. A OMS indicou o negacionismo das vacinas como um dos 10 problemas de saúde pública mais graves do mundo. O negacionismo provoca mortes, é um crime gravíssimo sem castigo.

Suas excelências já imaginaram se os seus filhos e netos não tivessem sido imunizados contra a varíola, o sarampo ou a poliomelite? Se a Câmara tem tanto empenho de legislar, seria imperioso criar leis que civilizassem as redes sociais, terra de ninguém, onde florescem as fake news. O negacionismo só é possível com a máquina de mentira da internet, que forja falsos mitos e propaga notícias falaciosas, nocivas à saúde pública e à democracia.

Além disso, é um dever dos detentores de mandato popular, neste momento, negociar e pressionar o governo federal para a compra de vacinas. É a única medida capaz de salvar nossas vidas. Isso é o essencial nesse instante. E, também, barrar a boiada da devastação ambiental, que ameaça a nossa geração a as próximas gerações.

Tenhamos votado ou não nos senhores, vossas excelências representam a todos nós brasileiros. Como bem disse o ex-ministro Mandeta, o vírus anda de Ferrari, e a vacina de fusquinha. E eu complementaria: a cloroquina vem de Ferrari, e a vacina de fusquinha. Será que o ministro da Saúde entendeu agora a razão da angústia dos brasileiros?

Diante da vida e da morte não pode haver neutralidade possível. Quem se omite em uma circunstância tão grave como essa é cúmplice de um genocídio anunciado. É preciso assumir uma posição em defesa da vida. Isso, sim, seria bom para o Brasil, não a blindagem de quem comete delitos. A vacina acima de tudo, a Constituição acima de todos.