CB.SAÚDE

"A sociedade precisa ajudar", diz oncologista Romualdo Barroso

O chefe de pesquisas translacionais do Hospital Sírio-Libanês destaca que o pior da crise sanitária do novo coronavírus está por vir, se não forem tomadas medidas rigorosas para conter a doença. O médico alerta para informações falsas sobre tratamento precoce

» Jessica Cardoso*
postado em 12/03/2021 06:00
 (crédito: Andre Rosa/TV Brasilia)
(crédito: Andre Rosa/TV Brasilia)

Com mais de 2,8 mil mortes contabilizadas num único dia, o Brasil registra mais vítimas a cada boletim da área de saúde. De acordo com o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), os dados registrados pelas instituições de saúde mostram que a pandemia está fora de controle. O Distrito Federal vivencia um momento crítico com alta taxa de transmissão e alto percentual de ocupação dos leitos de UTI. Em entrevista para o programa CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília — de ontem, o chefe de pesquisas translacionais do Hospital Sírio-Libanês, Romualdo Barroso, falou sobre a gravidade do cenário atual e pediu para que a população respeite as medidas de segurança. O oncologista comentou, ainda, a respeito do impacto da pandemia nos pacientes com câncer e sobre a questão do tratamento precoce da covid-19, negado até agora pelas instituições de saúde.



Por que, ao invés de prezarmos vidas, estamos contando mortos? O que está faltando para a população se conscientizar sobre a gravidade do momento?

Eu acredito que estamos vivendo momentos difíceis em várias áreas. Temos um problema muito claro de comunicação. As pessoas estão confusas e as comunicações, em várias esferas da sociedade, estão deturpadas. Nós vemos um grave ataque diário à imprensa, aos meios de comunicação, e talvez isso esteja comprometendo seriamente o entendimento das pessoas sobre a gravidade do quadro. Obviamente, (a covid-19) é uma doença grave que nós não tínhamos defesas anteriores. A gente precisa agora garantir que as pessoas fiquem em casa, para que a gente possa atender os que estão doentes e para que novos casos não continuem a surgir diariamente. A gente ainda não chegou ao pico de novos casos. É um cenário dramático.

Se hoje os hospitais já estão com quase 100% de capacidade para atendimento de leitos de UTI, aumentando os casos e chegando a esse pico, muitas pessoas vão, provavelmente, ficar sem atendimento e vão morrer por isso?

Acredito que isso tem uma grande chance de acontecer, porque existem limitações, que não são apenas de infraestrutura. (As pessoas contaminadas pelo coronavírus) são pacientes de alta complexidade que, muitas vezes, vão ficar em UTI, vão precisar de intubação orotraqueal e de uma rede de profissionais de saúde capacitados para cuidar deles. Então, é complicado.

Dado que não temos vacina para todos, só o lockdown resolve a situação atual?

Nós precisamos de várias medidas: de restrição, de não execução das atividades não essenciais, para diminuir a circulação de pessoas e do vírus. A gente precisa, também, de atores de vários setores para aumentar esses recursos de infraestrutura como leitos hospitalares e a vacina. A gente precisa executar esse tripé na maior rapidez possível para evitar esse número crescente de mortes ou diminuir o prejuízo que já é claro.

O controle da doença depende da sociedade em geral e das autoridades encarregadas de tomar as decisões corretas?

Sim. A sociedade precisa ajudar as autoridades. Existe uma limitação inequívoca de recursos, então é preciso esse trabalho conjunto sem a menor dúvida. É preciso que as pessoas respeitem a agressividade desse vírus e a nossa limitação. As autoridades (devem) continuar e aumentar os seus esforços para garantir acesso ao atendimento para o maior número de pessoas.

Vocês estão fazendo um estudo sobre o impacto da pandemia nas pessoas com câncer. Há algum resultado e qual o objetivo do estudo?

É um estudo em parceria com a OMS (Organização Mundial da Saúde) para tentar identificar os padrões de como o tratamento oncológico foi afetado durante essa pandemia. Uma série de dados da literatura (oncológica) pode ser encontrada e a gente consegue fazer uma análise desses dados. O que foi identificado é que em torno de 40% do tratamento é afetado durante a pandemia. Alguns casos de câncer e alguns tipos de tratamento são mais afetados do que outros.

É natural que as pessoas tenham medo de continuar o tratamento oncológico por causa da covid-19. O que é preciso para romper esse medo?

Primeiro, é confiar no seu médico, ter uma boa relação com a equipe de saúde e ouvir as recomendações. Se o seu médico acha que é importante, faça os exames, mantenha os cuidados, use máscara, mas não deixe de fazer seus exames a não ser que haja uma contraindicação específica para sua região. A gente está vivendo um momento que é dinâmico, as recomendações podem mudar semana após semana. Hoje, a recomendação é que continue a ser realizados os exames e tratamentos relacionados ao câncer.

O chamado kit de tratamento precoce foi rejeitado pela OMS e por várias entidades de saúde respeitadas no mundo todo. Por que se insiste tanto nessa questão do tratamento precoce?

A resposta para essa insistência de algumas pessoas, alguns grupos, eu realmente não sei. Não há nenhum elemento que justifique a prescrição e a manutenção dessas ideias. Vários estudos muito bem desenhados e conduzidos já mostraram que, infelizmente, não existe um tratamento precoce. Existem pesquisas que estão tentando identificar isso, mas até o presente momento nós, infelizmente, não temos.

O que a população precisa fazer para não cair nessas armadilhas e falsas promessas de tratamento precoce?

A população precisa entender que existe muita gente séria trabalhando, querendo ajudar as pessoas a tratar a situação (da pandemia). Se houvesse tratamento precoce, nós médicos seríamos os primeiros a ir na frente da televisão e disseminar (a informação). (Também é importante) a imprensa continuar o trabalho que está fazendo, tentando informar a população, mostrar todo o dia o perigo que a covid-19 tem, que não é brincadeira e que não existe, infelizmente, esse tratamento precoce. O que existe é um tratamento que muitas vezes é de alta complexidade para os casos graves e que ter acesso a esse tratamento é o que realmente faz diferença.

A desigualdade social do país agrava a situação da doença?

Infelizmente, em tempos de crises, as desigualdades se acentuam. Historicamente, a gente conhece isso daí, então é um momento de muita união, compaixão, de ter humanismo e entender que a sua ação tem um impacto na vida de outras pessoas. Você não está sozinho nesse mundo.

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