COMPORTAMENTO

Brasilienses contam como a vida on-line ajudou a manter proximidade na pandemia

Com as medidas adotadas durante a pandemia da covid-19, o relacionamento humano ficou comprometido. No momento em que muitas pessoas tiveram de recorrer ao meio virtual para garantir a socialização dos filhos e da família, relações on-line ganharam mais força

Larissa Passos
postado em 06/03/2021 06:00
O bancário Phelippe Calixto com os filhos, Henrique e Laura, equilibram as relações entre a vida nas redes e ao ar livre -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
O bancário Phelippe Calixto com os filhos, Henrique e Laura, equilibram as relações entre a vida nas redes e ao ar livre - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A crise sanitária e as medidas de afastamento impuseram à sociedade um novo estilo de vida — ainda que temporário —, especialmente para a socialização de adultos e crianças. Com o avanço da covid-19, muita gente teve de optar pelo meio digital para manter o círculo de amizades. Independentemente da faixa etária, a necessidade de manter a convivência exigiu adaptações. E, em muitos casos, apesar da distância, a internet foi capaz de fortalecer laços.

Pai de Laura e Henrique — de 7 e 5 anos, respectivamente —, o bancário Phelippe Calixto, 30, não deixa os filhos terem contato direto com outras pessoas. O motivo é uma doença autoimune da mãe dos meninos. Por isso, enquanto a pandemia continua, a interação deles com crianças da mesma faixa etária fica por conta de aulas com videochamada e games on-line. “Eles têm um grupinho dos amigos, acho que são cinco pessoas. Eles se falam quase todo dia, jogam juntos, mas é o único contato que eles têm”, conta Phelippe.

No início da pandemia, segundo o bancário, as crianças ficaram sem descer do apartamento, em Vicente Pires, por 92 dias. No entanto, ele afirma que chegou um momento em que os meninos passaram a chorar mais e a ter muitos pesadelos. A partir daí, Phelippe decidiu sair com Laura e Henrique para ambientes abertos. “Estamos no revezamento do home office, tanto no meu trabalho quanto no de minha esposa. Ela fica 100% no teletrabalho, e o meu é alternado. Nos dias em que eu estou em casa, levo as crianças para o parque ou para dar uma volta de carro”, diz o pai.

Com a pandemia da covid-19, Luísa, 8, filha do psicólogo Igor de Sousa, 39, tem se relacionado com as amigas da escola por videochamada diariamente. “Ela sempre foi muito conectada, sempre gostou de jogos e, antes da pandemia, brincava bastante. Ela e as amigas fazem reuniões on-line, durante as quais se veem, conversam e jogam ao mesmo tempo”, afirma Igor. Mesmo com as relações virtuais, ele também leva a filha para interagir com outras crianças, mas a distância. “Embora tomemos todas as precauções, como tem bastante tempo (que a pandemia começou), também buscamos um equilíbrio. É ruim que nossa filha e as crianças, principalmente dessa idade, fiquem tanto tempo isoladas”, acrescenta.

  • Luísa, 8 anos, vê as amigas da escola diariamente, mas pelo computador: tecnologia funciona como aliada
    Luísa, 8 anos, vê as amigas da escola diariamente, mas pelo computador: tecnologia funciona como aliada Arquivo pessoal

Para Igor, o impacto da crise para a socialização das crianças é preocupante, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento emocional. Ele comenta que essa fase é de troca de experiências e proximidade. “Se a criança e a família não conseguirem manter uma rede de relações em que a criança se sinta o tempo todo estimulada nesse sentido, é importante que os pais fiquem atentos”, ressalta. “Nesse caso, a tecnologia pode ser uma aliada para as crianças continuarem tendo uma socialização ativa, jogando na internet e se comunicando por meio de brincadeiras virtuais”, completa o psicólogo.

No caso da servidora pública Karine Karen Martins, 35, mãe de Cauã, 4, a comunicação virtual é usada por ela e pelas amigas para receber ou enviar vídeos dos filhos. “Funciona como uma troca. Mandam do lado de cá e, depois, enviamos um daqui. Nem sempre a criança está com disposição para a conversa on-line, mas, com o vídeo gravado, ele (Cauã) fica mais animado. Áudios e figurinhas fazem sucesso”, relata Karine.

Cauã teve aulas presenciais apenas na primeira semana de fevereiro de 2020, antes de haver a suspensão das atividades em escolas. “Como era turma maternal, não havia encontros ao vivo. As professoras mandavam vídeos e entregavam atividades para fazermos em casa com ele. Acabou que ele não teve contato com outras crianças da turma. Neste ano, até optamos por matriculá-lo em uma escola pública. As aulas serão remotas e começam na segunda-feira. Ele está bem empolgado”, afirma a servidora pública.

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Das salas de aula para a videochamada

Carolyne Soares:
crédito: Arquivo pessoal

Não só crianças tiveram as amizades afetadas neste momento. A estudante de estatística da Universidade de Brasília (UnB) Carolyne Soares, 19, fez apenas um semestre presencial do curso, por enquanto. Lá, ela fez amigos, e o grupo passou a se ajudar com as disciplinas do curso. Porém, desde que a crise sanitária começou, as relações mudaram. “Quando veio a pandemia, havíamos tido três dias de aula, iniciando em março. Depois, o semestre letivo só recomeçou em agosto. Nesse período, começamos a fazer chamadas de vídeo para jogar e conversar sobre a vida, pois não nos encontrávamos pessoalmente devido ao risco da contaminação”, relata a jovem.

Depois que o semestre da universidade começou, os colegas fizeram de tudo para continuar na mesma turma e com o mesmo professor. Desde então, fazem encontros virtuais quase todos os dias. “Nós nos reunimos toda semana para fazer listas e discussões de conteúdo. Somos um grupo de quatro amigos e usamos a plataforma que a UnB ofereceu para a gente”, detalha Carolyne. Os estudantes se reúnem às 9h e, depois, param para o almoço. Em seguida, voltam a se falar. “Dependendo do quão difícil está a semana na faculdade, podemos passar praticamente o dia inteiro ‘juntos’. Na quinta-feira, foram umas 11 horas de chamada, tentando decifrar a disciplina de cálculo 3 e nos distraindo com um jogo de celular”, diz a jovem.

Antes da pandemia, segundo Carolyne, a amizade era “mais superficial e acadêmica”. Agora, o grupo conseguiu ficar mais próximo do que antes. “O encontro virtual não se compara a quando estávamos juntos pessoalmente. Mas, no on-line, acabamos nos vendo muito mais, por muito mais tempo do que antes da pandemia na faculdade, onde ficávamos juntos apenas durante as aulas”, compara a estudante.

Quando tudo voltar ao normal, os amigos têm planos, pelos quais aguardam com ansiedade. “Pensamos em várias programações para fazermos juntos quando a pandemia passar. Inclusive queremos voltar às aulas presenciais. Entre nosso grupo, é unanimidade que o ensino presencial é melhor que o on-line. Mas, também, pensamos que só será possível nos reunir de novo fora da internet quando tivermos a certeza de que estamos seguros e de que não seremos contaminados pelo vírus. Que venha a vacina”, finaliza.

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