O primeiro dia de lockdown no Distrito Federal começou já com flexibilização nas medidas de combate à pandemia da covid-19 anunciadas na sexta-feira. Neste sábado (27/2), o governador Ibaneis Rocha decidiu rever o decreto que determinava a suspensão de atividades não essenciais por prazo indeterminado e, além de definir data para o fim das restrições, liberou a abertura de segmentos que, anteriormente, estavam na lista dos que ficariam proibidos de funcionar. Agora, toda a cadeia do setor de veículos automotores e da construção civil, agências bancárias e lotéricas, escritórios, Zoológico e parques ecológicos poderão funcionar. O prazo de validade das medidas é 15 de março.
As restrições começaram a valer à 00h01 de hoje, conforme determinou o Decreto nº 41.849, publicado ontem, em edição extra do Diário Oficial do DF (DODF). Empresários de outros setores do comércio varejista e de serviços, como donos de salão de beleza e de bares e restaurantes, estão entre os que serão os mais afetados pela medida e marcaram para hoje protesto contra o lockdown. Para estabelecer as atividades liberadas, Ibaneis afirmou que levou em consideração o caráter de necessidade que esses serviços têm para a população e o fato de não gerarem aglomerações. A decisão foi tomada após reunião, ontem, com a equipe de secretários, que definiu as estratégias a serem adotadas pelo governo nos próximos dias.
Depois de 15 de março, a suspensão das medidas de isolamento deve ocorrer de forma gradual. “Na sequência, vamos fazer uma liberação como foi feita ano passado, só que em um prazo menor”, afirmou o governador. Na avaliação dele, hoje, o contexto de enfrentamento da pandemia por parte do GDF não é o mesmo do ano passado. “Esse lockdown não é como foi no ano passado. A nossa experiência em 2020 era muito pequena no que diz respeito à pandemia. Hoje, nós já temos um horizonte”, avaliou.
As medidas visam coibir as aglomerações. Segundo Ibaneis, diante do agravamento da crise sanitária, com a elevada taxa de ocupação dos leitos – que chegou próximo de 100% na rede pública na sexta-feira —, era fundamental alertar a população. “Tivemos que mandar um recado forte à sociedade que, pelo que parece, não acredita mais que a covid-19 vai se espalhar, e ela está se espalhando em um nível muito rápido”, disse. Tanto Ibaneis quanto o secretário de Saúde do DF, Osnei Okumoto, pontuaram que a taxa de transmissão do novo coronavírus saltou de 0,79 para 1,09, o que indica expansão da pandemia no DF.
Ibaneis pediu o apoio da sociedade, denunciando e evitando as aglomerações, e também informou que o DF Legal trabalhará em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública e com outros órgãos para fiscalizar e conscientizar a população. “Essa fiscalização e a conscientização da população e dos empresários vai fazer com que a gente tenha maior agilidade na retomada das atividades econômicas.” A fim de socorrer o setor, o governador informou que o Banco de Brasília (BRB) vai divulgar uma nova plataforma de investimento e destinar R$ 2,5 bilhões para ajudar os empresários.
Alternativas
“Foi um susto total, fomos pegos de surpresa ontem (sexta-feira) com esse decreto. Mas entendemos que é necessário, está um caos. A rede hospitalar está cheia, com poucos leitos. Sabemos que a situação é complicada. Esperamos que tudo isso acabe logo para reabrirmos”, disse o sócio-proprietário do salão Diva by Mila, Paulo Henrique Martins, 39 anos. De acordo com ele, o lockdown do ano passado teve um impacto grande no faturamento do estabelecimento. “Tivemos uma perda de mais de 50%. Agora, que começamos a melhorar um pouquinho, vamos ter que fechar novamente”, lamentou. O salão, na Asa Sul, abriu no início de 2020.
Célio Paiva, presidente do Sindicato dos Salões Barbeiros Cabeleireiros e Institutos de Beleza do Distrito Federal (SimBeleza), descreveu que o setor entrou em pânico com a notícia. “Empresários e profissionais parceiros estão endividados em decorrência dos quatro meses de fechamento. O movimento de clientes que ainda está em processo de retomada vai ser interrompido novamente. Fechados e com parcelas de empréstimos a vencer, muito mais empresas poderão fechar definitivamente desta vez.”
Para o sócio da Calce Perfeito Anderson Rocha, 39, o risco é de fechar as portas. “Estamos com 55% do faturamento e tínhamos esperança de uma venda melhor agora em abril e com a chegada da vacina, mas agora não sei como vamos fazer”, relatou. Segundo ele, a loja precisou demitir 40% da equipe de funcionários. “Não temos mais para onde reduzir”, afirmou Anderson, que vai participar das manifestações hoje e amanhã, contra o lockdown e pedindo a reabertura do comércio. “Estamos seguindo todas as medidas de segurança, aferindo a temperatura, disponibilizando álcool em gel e todos com o uso de máscara”, enumerou.
A Tarte, antiga Torteria Di Lorenza, da 302 Sul, apostou na divulgação pelas redes sociais e entre amigos para garantir um bom faturamento no fim de semana que antecede ao lockdown. Apesar de poder funcionar como delivery, o proprietário Vinicius Moraes Alves, 43, afirma que as entregas não rendem o mesmo que a compra na loja. “Muitos dos nossos insumos são perecíveis e não aguentam ficar 15 dias guardados, então fizemos um esforço na produção para a venda neste sábado e minimizar os impactos com as restrições”, relatou. E a iniciativa rendeu. Ontem, durante o dia inteiro o estabelecimento recebeu clientes e quase zerou o estoque. “No início da pandemia, tive uma perda de 80% no faturamento. Atualmente, estou com 50% do faturamento de antes da pandemia.”
Repercussão
O Sindicato do Comércio Varejista do Distrito Federal (Sindivarejista) teme mais demissões no setor. “Esse novo lockdown com certeza vai trazer fechamento de mais empresas, um aumento no endividamento do empresário, o aumento do desemprego e um possível calote nos empréstimos adquiridos no lockdown do ano passado”, disse o vice-presidente da entidade, Sebastião Abritta. O sindicato reforça o apelo para que as regras de isolamento social sejam respeitadas e que o uso da máscara se torne mais visível.
Já o presidente do Sindicato de Hóteis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar), Jael Antônio da Silva, tenta com o governador do DF uma reavaliação. “Em algumas mensagens que trocamos, ele se comprometeu, no início da próxima semana, a analisar com muita cautela, quando conseguir aumentar o número de leitos disponíveis, a possibilidade de voltarmos a funcionar. Pareceu-me muito honesto, sincero e preocupado com o setor.”
Edson de Castro, presidente em exercício da Fecomércio-DF, afirma que a entidade busca amenizar os prejuízos que serão enfrentados pela economia local durante o período de restrições. “A Fecomércio entende o momento delicado que o DF está passando. Entretanto, é preciso encontrar um meio termo, para não prejudicar ainda mais os lojistas e a economia da cidade”, disse. “Apesar da conquista de alguns setores, ainda estamos conversando para que o segmento de móveis também possa reabrir.”
À frente de um dos setores beneficiados com a flexibilização do decreto editado ontem, a Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi-DF) desencadeará nova campanha de conscientização e mobilização, reiterando a necessidade de maior rigor com as medidas de prevenção. “O momento é de cuidado redobrado e nossas empresas estão mobilizadas e preparadas”, afirmou Eduardo Aroeira Almeida, presidente da entidade. A ação é uma parceria com o Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-DF) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Colaborou Samanta Sallum