A Secretaria de Saúde (SES-DF) requisitou, na segunda-feira (22/2), que os servidores públicos cedidos ao Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF) a partir de 2019 retornem aos órgãos de origem. O instituto é responsável pela gestão do Hospital de Base, do Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), além das seis unidades de pronto-atendimento (UPAs) do DF. A volta dos profissionais para os antigos postos provoca polêmica, especialmente pela falta de detalhes quanto ao total de pessoas afetadas e pela possibilidade de defasagem no atendimento nessas unidades de saúde.
Recentemente, o Iges-DF ficou no centro de debates, em especial, entre os distritais. Na quinta-feira passada (18/2), o Conselho de Administração do instituto aprovou o nome do ex-ministro da Saúde Gilberto Occhi para presidir o instituto — interinamente, até que passe por sabatina na Câmara Legislativa. No dia seguinte, cinco parlamentares da Casa pediram a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), para apurar irregularidades na gestão do Iges-DF. Na terça-feira (23/2), o deputado Jorge Vianna (Podemos) pediu mudanças no processo de retorno dos profissionais, com a criação de uma lista dos servidores que têm o desejo em sair das unidades de atendimento geridas pelo Instituto.
Diretor de comunicação da Associação Médica de Brasília (AMB) e funcionário do Hospital de Base há 28 anos, o urologista Diogo Mendes falou ao Correio sobre a convocação dos servidores para os antigos postos. Ele considera que a ação é “desordenada” e que vai “sucatear” o desempenho da unidade de saúde.
A SES-DF chamou de volta profissionais cedidos em 2019 ao Iges-DF, para minimizar deficits na rede pública. Que danos isso pode causar?
A portaria publicada pela pasta orienta que os profissionais devem preencher um formulário até o dia 26, para escolher possíveis locais de realocação. O problema começa daí: apenas uma semana para fazer essa ação, sem contar que existem profissionais de férias, afastados e que não sabemos como será o caso deles. Vale lembrar que o Hospital de Base tem 49 programas de residência médica, o que significa que ele forma 49 tipos de especialistas, sem falar nas residências em enfermagem. Toda essa escola de formação de profissionais importantíssimos pode ser destruída. A assistência médica prestada à população também será prejudica. O Base é o hospital que resolve todos os casos graves e gravíssimos, sobretudo traumas. Não existe um encaminhamento para além dele. É lá que se resolvem os casos mais complexos. A retirada desses profissionais que atuam no hospital, conhecem a rotina e têm anos de experiência prejudicará o atendimento. Não é possível manter a mesma qualidade (de atendimento) se contratarem apenas recém-formados em medicina. O Base se destaca, justamente, por ter essa elite de médicos com anos de experiência, e isso não pode ser suprido por qualquer profissional. Meu discurso não é por causa própria. Nem estou mais no Hospital de Base.
A secretaria justificou que isso reduziria a folha de pagamento do Iges-DF. A justificativa é válida?
Na verdade, não sabemos realmente a motivação dessa ação da SES-DF. Porque não tem sentido. A carreira médica é semelhante à carreira militar: entramos como aspirantes e, à medida que ficamos velhos e ganhamos experiência, começamos a comandar, a executar e, o mais importante, a formar as novas gerações. O profissional que sou hoje foi graças ao que aprendi no Base. E 70% da mão de obra médica superespecializada que atua no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste são de profissionais formados em Brasília, pelo Hospital de Base. Ele é muito mais do que uma instituição de assistência para a população do DF e Entorno. Os questionamentos que ficam são: qual a justificativa para a transferência de quase 4 mil funcionários? Como vão repor esses profissionais?
Qual é a principal dúvida que precisa ser respondida?
O que a comunidade médica precisa saber é por que os profissionais do Iges-DF têm sido transferidos, sendo que o novo presidente do Iges-DF, Gilberto Occhi, sequer tomou posse. É atitude de uma gestão transitória, que não vai continuar. Meu pedido é que o Occhi tome ciência do que está acontecendo, para entender a motivação do desmonte da massa crítica dentro do Hospital de Base, assim como o governador Ibaneis (Rocha). E, claro, a população precisa ser ouvida e entender o que ocorre. A SES-DF basicamente quer resolver isso em uma semana, sem qualquer planejamento.
A SES-DF informou que essa ação reduziria o deficit de profissionais na rede pública, pois a pasta está impedida de abrir concursos públicos até dezembro. Essa é a melhor alternativa?
É importante ressaltar que essa transição de funcionários não é adequada, porque nenhum outro local do DF oferece a mesma estrutura que o Hospital de Base. Você vai colocar um superespecialista em um local onde ele não pode exercer totalmente o conhecimento dele? Toda essa ação não deve ser feita sem planejamento. Precisamos destacar que o mais difícil de conseguir na saúde é o profissional. Insumos se compra com dinheiro. Pode demorar, mas um dia chega. No entanto, profissional, eu não compro, eu formo. E o Base é um local de formação. Existem outras possibilidades de ação da SES-DF que podem ser adotadas e não causam esses danos. E, claro, nós, profissionais de saúde, não somos contra uma gestão correta dos recursos disponíveis. Sou favorável a todas as medidas de equilíbrio dos gastos, porque os impostos são finitos. Entretanto, quando tratamos de saúde, não temos um substituto para as pessoas. Não temos um segundo Hospital de Base ou um pessoal tão qualificado para substituir os que serão realocados.