Uma ex-BBB
Estou por fora de um dos assuntos mais comentados do momento. Minha tevê não sintoniza no Big Brother Brasil há anos. Mas o tema domina de um tanto as conversas que é impossível manter a ignorância por muito tempo. Gil, Lucas, Karol, Arcrebiano, Projota, Sarah… Sem muito esforço, dá para tirar da memória a composição de um quarto da “casa mais vigiada do país”, como diz o slogan do programa há 21 anos.
Não posso sequer me gabar e justificar o desconhecimento na preferência por programações mais cult. Acompanhei as primeiras edições diariamente, sem perder quase nenhum episódio, e até torci pelos favoritos nos paredões. Lá pelas tantas, o interesse diminuiu, até que nunca mais assisti ao reality. Em dado momento, alguém falou que “depois dessa mudança, ficou imperdível”. Continuei sem dar bola.
A nova moda agora, já no que seria — pelo que pude acompanhar — uma terceira versão, virou uma mistura de Casa dos Artistas com BBB. Não são mais anônimos em busca de 1 milhão de reais. O jogo se sofisticou e os convidados, agora, são conhecidos do público, chegam com suas plateias particulares e, ao melhor estilo influencer, perdem essa legião de fãs a cada opinião emitida fora do tom ou atitude equivocada. Como diria um famoso personagem das histórias em quadrinhos, “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.
O tribunal virtual das redes sociais ganhou espaço em horário nobre. Os julgamentos, na maioria, desconsideram o contexto de confinamento e muitos dos que estão confinados se mostram ainda distantes de entender a essência das próprias militâncias. Ofendem, agridem e discriminam sem perceber que nenhum lugar de fala elimina a necessidade da escuta e do diálogo real. A ignorância revolta o público, implacável, como o formato permite se tornar. O poder da decisão a um clique.
Hoje, além do desinteresse causado pelas sucessivas edições, o que me afasta desse tipo de reality show é a perversidade que sinto emanar de todo o processo. Apesar desse diagnóstico, vindo de uma ex-espectadora como eu, é importante observar que os espelhos proporcionados pelo programa levam a discussões importantes: racismo, machismo, homofobia, preconceito de classe. Todas essas feridas abertas da sociedade brasileira acabam escancaradas em brigas e embates na casa.
O tema da redação do vestibular da Fuvest deste fim de semana — porta de entrada para a Universidade de São Paulo (USP), uma das mais concorridas do país — eleva debates como este a outro grau: “O mundo contemporâneo está fora de ordem?” Não faço ideia de como começaria a responder a esta questão caso estivesse entre os candidatos. Talvez uma análise do nosso big brother diário, ao estilo 1984, de Orson Welles, ajudasse a encontrar o caminho. Nossa jornada de autoconhecimento está apenas começando.