A crise sanitária alterou o caminho das mulheres que engravidaram em 2020. Os centros obstétricos e as maternidades tiveram de se adaptar para assistir às gestantes e aos bebês, mas não lhes tirou a alegria da maternagem. Até terem os recém-nascidos nos braços, as mulheres brasilienses cruzaram uma longa jornada de preocupação, dúvidas e preparação.
Entre março e dezembro do ano passado, 42.761 bebês vivos nasceram no DF, segundo dados da Secretaria de Saúde. A infectologista Joana D’arc Gonçalves pondera que o parto é um momento de grande exposição tanto para as pacientes quanto para os profissionais de saúde. “O serviço de saúde tem tentado fazer o que é possível, mas para quem está nesse local, o risco é maior”, afirma a médica. “Tem também a questão da acomodação, do alojamento conjunto da mãe e do bebê e de outras mães. Para manter o isolamento é bem complicado nesse momento”, frisa.
Por isso, as equipes e unidades tiveram que se adaptar. Todos os casos suspeitos e confirmados de mulheres com covid-19 foram direcionados para o Hospital Regional da Asa Norte (Hran), referência no tratamento da doença. Há uma semana, dois bebês gêmeos que estavam no Hospital Regional de Taguatinga (HRT) com covid-19 foram transferidos para o Hran e já tiveram alta.
Nas 12 maternidades públicas do DF, as mulheres passaram a ter direito a apenas um acompanhante que esteja sem sintomas de gripe. Além disso, os turnos de acompanhamento passaram de seis para 12 horas: assim, diminui o contato entre pacientes e profissionais. As visitas também foram suspensas.
Desejo de cuidar
Em junho do ano passado, a dona de casa Ludimira Silva, 33 anos, teve um desejo estranho. “Senti vontade de tomar café, mas eu não gosto de café, meu marido já ficou desconfiado, pois a menstruação também estava atrasada”, conta. Para tirar a prova, fez um teste de farmácia. Em minutos, o teste mostrou: Miguel estava a caminho. “Comecei a chorar, queria bastante. Tinha o sonho de ter um casal de filhos”, lembra.
Ludimira já era mãe de Laís, de 7 anos. “É uma sensação muito diferente do primeiro filho. Com essa pandemia, estou mais com esse instinto de cuidar, de proteger”, ressalta. Miguel nasceu em 22 de janeiro, de parto normal. “Quando o colocaram em cima de mim, fiquei muito emocionada, era bem pequenininho. A palavra que me definiu foi gratidão. Até hoje olho para ele e penso: será que é meu mesmo?”
À distância
Quando descobriu a gravidez do primeiro filho em fevereiro de 2020, a servidora pública Mariana Oliveira, 32, quis surpreender o marido, Wellington Rocha: comprou faixas amarelas e pretas, que passou nas extremidades da porta de um dos quartos da casa, e fixou uma placa com os dizeres: “Cuidado: em obras. Em breve um quartinho para o nosso bebê”. Entregou a ele o teste e anunciou que seria pai. Toda a cena foi registrada pela câmera do celular e, depois, publicada nas redes sociais.
Naquele período, o país vivia um momento totalmente diverso: era pré-carnaval e o coronavírus parecia ainda uma tragédia distante. No entanto, no mês seguinte, os primeiros casos foram confirmados e o Distrito Federal foi uma das primeiras unidades da Federação a adotar medidas de isolamento social, o que alterou todos os planos das gestantes.
Em vez de um evento que reunisse a família e os amigos para contar da gravidez, Mariana e Wellington usaram o recurso possível naquele contexto: um perfil no Instagram. “É como se fosse uma cápsula do tempo, onde vou colocando os principais momentos da vida do Dom e das nossas descobertas juntos.” A primeira postagem, de março, é sobre a espera do primeiro filho. Desde então, cada fase da gestação é divulgada nas redes. O chá de revelação virtual foi todo transmitido ao vivo pelo YouTube.
“Meus avós, tios e amigos só me viram grávida através de videochamada. Sabia que o isolamento era necessário, e ainda é, então fiquei conformada com as outras formas de aproximação promovidas pelas redes sociais, pois todos estávamos seguros assim”. Em abril, foi a vez da “charreata”: os amigos chegaram em carros enfeitados e paravam em frente à casa do casal, em Vicente Pires, para entregar as fraldas. “Mesmo a distância me emocionei muito”, relata. Dom nasceu de parto normal, em 25 de setembro.
Espera
Às 6h em ponto, a turismóloga Laurene Nascimento, 37, já estava dentro do carro, pronta para sair de casa, em Taguatinga, rumo à Asa Norte. A gestação do terceiro filho, Samuel, tinha chegado às 39 semanas e a cesárea já poderia ser feita. Ele nasceria naquele 6 de dezembro. “Já estava orando para chegar logo o dia”, diz.
Ela, o marido e a irmã chegaram ao Hospital Universitário de Brasília (HUB) às 6h40. O que ela não esperava era que o procedimento só seria feito às 15h, mas a pediatra disse a Laurene: “Você não precisa ficar com medo, vou colocar o Samuel em cima de você na hora que ele nascer”. “Fiquei aliviada depois que deu tudo certo, a gente é bem assistido lá”, lembra.
De volta à enfermaria, Laurene não tirava os olhos do caçula. “No quarto, tinha um banheiro que era compartilhado, eu queria ir embora logo, pois tinha medo de o Samuel pegar a covid”. Ainda na maternidade, o bebê foi testado. Dois dias depois, a família voltou para casa. “Meus filhos são uma bênção, é cansativo, mas é maravilhoso cada evolução deles”, assegura Laurene (leia mais na matéria abaixo).
Pós-parto
Na véspera do nascimento do primeiro filho, a estudante Allice Souza, 26, estava inquieta. “Me veio aquele instinto de mulher, senti que estava vindo, comecei a arrumar a casa, fazendo exercício para ajudar a vir (de parto) normal.” À 0h, ela e o namorado, Luís Henrique Pereira, 23, juntaram a malinha, preparada com as roupinhas do bebê, que combinavam com as deles, e rumaram para o centro obstétrico da Maternidade Brasília, escolhida após uma intensa pesquisa. “Liguei em todas as maternidades de Brasília para saber os procedimentos, lá me senti acolhida”, conta Allice.
Apesar da dilatação e das cólicas, Allice só entraria em trabalho de parto sete horas depois. “Foi 100% humanizado, meu namorado estava comigo o tempo todo, as mensagens não paravam de chegar no celular, uma rede de apoio é essencial nessas horas”, afirma. Às 9h30, enquanto Allice fazia mais um exame, pressentiu que o filho se aproximava. Davi nasceu naquele 8 de novembro. “Realmente, o primeiro sentimento é de alívio, a dor passou quando ele saiu. Depois, quando ele veio para os meus braços, chorei de felicidade.”
Taurina, Allice afirma que a gestação despertou nela o sentimento de proteção. “Não boto o pé para fora de casa, não quero pagar para ver”, diz. Quando a rotina voltar ao normal, ela já tem planos para o pequeno. “Quero muito poder viajar com ele para praia ou hotel fazenda, sempre fui de rua. Ir ao Parque da Cidade ou Jardim Botânico, pegar um sol, ver gente, sentar em um lugar tranquilo e aproveitar a tarde sem ter que pensar se tem gente espirrando por perto. Quero poder ficar em paz”, finaliza.
* Estagiária sob a supervisão de Mariana Niederauer