BRASÍLIA DE OUTROS CARNAVAIS

Bora para o baile? Folias em clubes marcaram a história da capital

Celebrações viveram o ápice nas décadas de 1990 e 2000, mas surgiram bem antes, nos anos 1960. Depois, acabaram perdendo espaço para o carnaval de rua

Para quem já se acostumou com as festas de carnaval na rua, misturado à multidão e ao som de um trio elétrico (pelo menos em tempos pré-covid-19), talvez possa ser uma surpresa, mas a celebração de Momo já teve uma vertente bem mais restrita — mas nem por isso menos divertida. Os bailes, geralmente realizados em hotéis e clubes, foram parte importante da história de uma das maiores celebrações populares do país, e ficaram na memória dos brasilienses que já se fantasiaram para pular nos salões da capital.

As farras carnavalescas no Distrito Federal datam dos primeiros anos da capital. Desde os pequenos grupos que celebravam a data em festas nas praças da cidades (que deram origem às associações recreativas de carnaval), o passar dos anos marcou importantes diferenças culturais sobre como festejar o carnaval na cidade. Embora tenham atingido o ápice na década de 1990 e início dos anos 2000, os bailes começaram a ganhar um cantinho no coração da capital a partir da década de 1970, como lembra Flávio Pimentel, atual Comodoro (título que designa o gestor responsável pelo espaço) do Iate Clube de Brasília.

Frequentador do clube desde os 16 anos, Pimentel, atualmente com 62, lembra como essas festas começaram a ganhar espaço na capital. “Na década de 1970 e 1980 já eram realizados sim os bailes. No começo eles aconteciam ali na garagem de barcos do clube, era um espaço enorme, cabia até 5 mil pessoas, eram festas muito animadas. Eu era muito garoto, comecei a frequentar em 1976, lembro que tinha muita marchinha, música feita para o carnaval... Me lembro que com 17 e 18 anos ia para ficar no meio das pessoas mais velhas, mas era sempre muito divertido.”

Apesar de ter grande destaque, os bailes do Iate não eram os únicos a embalar o carnaval da cidade. A população também tinha o costume de frequentar as festas da Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB), do Minas Tênis Clube, do Clube Primavera, do Clube Sodeso, do Clube Cite e, de forma mais exclusiva, do Brasília Palace Hotel e do Hotel Nacional.

Carlos Moura/CB/D.A Press - Carnaval no Clube Cit em Taguatinga, em 1991
Eraldo Peres/CB/D.A Press - Baile do Clube Sodeso em Sobradinho, em 1991
Givaldo Barbosa/CB/D.A Press - Crianças dançam no baile infantil do Clube Primavera, em 1991

O auge

Um dos que estavam no comando do Iate durante os anos áureos dos bailes de carnaval na capital era Ennius Muniz. Hoje com 73 anos, Muniz foi Comodoro do clube de 1991 a 1995 e de 1999 a 2001. Saudoso, ele faz um traço histórico do momento: “(Os bailes de carnaval) foram um grande sucesso a partir de 1978 e eu peguei o auge da folia nos clubes, na década de 1990. Já era um sucesso no galpão de barcos, e depois nós conseguimos trocar pelo ginásio de esporte, e aí foi o grande auge mesmo, porque conseguimos colocar uma praça de alimentação maior, um espaço maior, para caber mais gente, porque antes a gente tinha de limitar o número de pessoas, porque muita gente queria ir”.

Para quem nunca foi a um tradicional baile de carnaval da capital, Muniz compôs um lampejo da celebração. “A tradição que o Iate tinha era a de terminar (a festa) com um banho de piscina. (O baile) começava lá pelas 23h ou 0h e só terminava de manhã com um banho de piscina, lembro bem disso, foi assim até 1995. A banda começa a andar pelo clube, circular pelo espaço, a gente ia junto, por fim era todo mundo na piscina. Uma festa mesmo. As músicas eram mais marchinhas, aquelas com conotação política, e depois passou mais para as músicas baianas, lambadas, axé”, elenca.

Carlos Silva/CB/D.A Press - Festa no Iate Clube de Brasília no Carnaval de 1994
Carlos Moura/CB/D.A Press - Carnaval no Iate Clube de Brasília reúne mais de três mil pessoas, em 1993

Momento histórico do carnaval

Mais do que uma das formas de celebrar o carnaval, os bailes no Brasil — que remetem ainda à primeira metade do século 19 —, tiveram grande importância para a composição cultural das festas de Momo que são conhecidas até os dias de hoje. Pelo menos é o que defende o pesquisador-orientador do Observatório de Carnaval do Museu Nacional, jurado do Estandarte de Ouro (prêmio do carnaval do Rio de Janeiro) e comentarista de carnaval da TV Globo, Leonardo Bruno.

“O carnaval (no Brasil) já tem essa pungência antes das escolas de samba. As primeiras referências têm a ver com um entrudo, em que as pessoas jogavam coisas nas outras, como perfume, frutas, até uma coisa mais agressiva como tinta, lama ou excrementos. Essa brincadeira veio de Portugal e começa a diferenciar as práticas carnavalescas da elite e da população em geral, até a elite achar que essa não é uma forma de brincar. Quando fica mais violento, mais sujo, a elite acha que o entrudo não está tão civilizado e começa a querer se distanciar da festa, daí começam os bailes de máscaras”, explica.

Segundo Bruno, uma importante característica que os bailes ajudaram a montar para o carnaval em geral foi o uso de máscaras e, consequentemente, de fantasias: “Essa tradição começou nos bailes. Antes não tinha tanto, porque era um momento de brincadeira, jogavam farinhas uns nos outros, nas ruas mesmo, sem grandes ornamentos”.

Outro elemento solidificado pelos bailes de carnaval no país foi a música. De acordo com Bruno, “os bailes acabam trazendo de forma mais forte as músicas para o carnaval, o entrudo não tinha uma trilha sonora, a música entra no carnaval através dos bailes”. “Em 1950, a música é bem variada, desde tango, a valsa, polca, você não tinha uma música característica, e era bem eclética. Isso até o começo do século 20”, pontua.

Volta às ruas

Decretar o fim dos bailes de carnaval em clubes não é algo fácil, mas é visível que a vertente não tem mais tanta força como outrora. Umas das explicações para esta mudança pode estar na democratização da festa. “Existiu um renascimento muito forte dos carnaval de rua, voltaram a associar a festa à rua. Acho que atualmente esse é o destaque: existe uma associação muito forte da centralidade do carnaval na rua, e isso pode ter enfraquecido os bailes, por ser um lugar fechado, restrito. A festa ganhou essa figura da mistura, do encontro, da integração, porque lá na rua tudo pode acontecer. Acho que o carnaval reforçou um pouco esse ponto, e enfraqueceu um pouco a vertente dos bailes. Mas não é algo que acabou em definitivo, ainda tem o Baile da Vogue, o Baile do Copa, ainda existem, eles não desapareceram”, aponta Bruno.

Tendo uma visão estratégica sobre os passado e os novos tempos, Flávio Pimentel também aponta o acesso como ponto de virada para o carnaval na rua: “É a vontade de estar ao ar livre, é a música, ela se adapta melhor quando é uma coisa mais livre. No clube, os bailes ficavam uma coisa mais restrita, mesmo se você colocar o Chiclete com Banana em um clube atualmente, não ia ser a mesma coisa (do que estar na rua)”.

Defensor dos clubes, Ennius Muniz sugere pontos que contam a favor dos bailes. “Acho que tanto na rua quanto no clube, carnaval é carnaval. O que eu acho é que antes tinha um cuidado maior com a segurança. A gente tinha problemas de segurança dentro do clube, claro, mas acho que agora é uma preocupação muito grande. Na rua tenho a impressão de que pode ficar tudo fora de controle muito rápido”, argumenta.

Nas ruas ou nos clubes, o importante é se divertir. Isto, é claro, quando o carnaval voltar.

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