Quando Renato Coqueiro apresentou o resultado de exames de imagem a um médico, o profissional de saúde se impressionou com o que viu. "Como você consegue caminhar com essa coluna? É caso de cirurgia", alertou. O analista de sistemas de 32 anos convivia desde a infância com um diagnóstico de espondilolistese — caso de deslocamento das vértebras. Na fase adulta, teve duas hérnias de disco. Por causa da condição, ele precisou passar por uma cirurgia de artrodese.
"Sempre gostei de jogar bola, mas praticava de manhã e, depois, ficava na cama o dia inteiro. Eu não podia pegar uma fila, não aguentava ficar em pé por muito tempo, tinha pouca flexibilidade, não conseguia me abaixar. Também tinha dificuldade de carregar meu filho, mas eu não falava disso para ninguém. A sensação era de como se houvesse uma coisa queimando", detalha Renato. Um mês depois de passar pela operação, ele ainda não está totalmente recuperado: "Não consigo levantar a cabeça sem sentir dor", lamenta.
A cirurgia consiste em fazer um enxerto na coluna, para fusão de vértebras, com o objetivo de estabilizá-la e reduzir dores. A cirurgia é indicada quando os tratamentos com remédios e a fisioterapia tornam-se insuficientes. É o último recurso para devolver a mobilidade ao paciente e reduzir os incômodos de pessoas que sofrem com osteofitose — conhecido como bico de papagaio — ou hérnia de disco, por exemplo.
Por se tratar de um procedimento invasivo, o tempo de recuperação dos pacientes com as técnicas e biomateriais atuais pode levar até um ano. Contudo, um estudo inédito desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e das faculdades integradas Upis, em parceria com as universidades de São Paulo (USP) e de Campinas (Unicamp), conseguiu, experimentalmente, reduzir esse tempo para até dois meses.
O grupo de médicos, dentistas e veterinários desenvolveu um biomaterial chamado GFX-1, resultado da combinação de proteínas extraídas da dentina — tecido do dente — do próprio paciente. Elas passam por um processo de sequenciamento em laboratório e, ao resultado, acrescentam-se componentes que induzem o crescimento. Desse modo, as equipes prepararam um composto mais eficiente, que regenera do osso de forma mais rápida após o enxerto em uma lesão. "Quando idealizamos esse GFX-1, apenas turbinamos, demos uma aditivada no biomaterial. Ele não tem efeito colateral. E provamos, experimentalmente, que ele realmente induz o crescimento ósseo muito mais rapidamente, formando um osso de qualidade, maduro e viável", detalha o dentista Vitório Campos, idealizador do projeto e chefe da equipe de estudo.
Para a fisioterapeuta Grazielle Pena, que trata de pacientes que se submeteram aos procedimentos cirúrgicos para fusão de vértebras na coluna, um tratamento como esse é promissor. "Temos de ver os primeiros resultados clínicos para bater o martelo, mas a redução do tempo de tratamento em todas as fases vai beneficiar o paciente", pondera. "Reduzindo esse período de recuperação com o resultado dessa nova pesquisa, será uma bênção para as pessoas em tratamento", completa Grazielle.
Testes
Os pesquisadores têm estudado o biomaterial ao longo dos últimos cinco anos. Na etapa mais recente, eles encerram a fase experimental enxertando o GFX-1 em suínos. Por tratarem-se de animais escolhidos para abate, tornou mais fácil conseguir autorização junto à Comissão de Ética na Utilização de Animais (Ceua) das instituições de ensino. Os porcos selecionados eram da mesma raça e gênero, para evitar vieses na pesquisa. Os 14 animais apresentaram resposta satisfatória à técnica cirúrgica e ao biomaterial, segundo Vitório Campos, da UnB. "Não tivemos diferenças entre os grupos, em todos os animais, o crescimento ósseo foi idêntico", afirma o cientista.
Depois dos enxertos nas vértebras da coluna cervical, os animais passaram por eutanásia em um intervalo de um a três meses depois do experimento, para verificar a formação do novo osso e a qualidade do tecido. Vitório explica que, nos últimos 30 anos, estuda as propriedades da dentina. Esse tecido é usado na indução do crescimento ósseo em tratamentos odontológicos, como para levantamento do seio maxilar, em casos de desvio de nervos ou para facilitar implantes dentários. "O osso é bem semelhante, independentemente de estar na perna, na coluna, na boca ou na cabeça", comenta Vitório.
Dessa forma, o pesquisador identificou que o composto poderia ter a aplicação ampliada para outros tratamentos e, assim, surgiu o grupo de 23 pesquisadores que estudam o GFX-1. "Começamos a usá-lo há 30 anos, porque tínhamos conhecimento teórico da composição da dentina. Como tivemos muitos resultados excelentes em centenas de casos, começamos a pesquisar mais a fundo", acrescenta o cientista.
Perspectivas
O biomaterial GFX-1 — sigla para Growth Factor X-1, ou fator de crescimento X-1, em tradução do inglês — tem chances de ser usado em tratamentos além da coluna de humanos e animais. A aplicação poderá ocorrer, inclusive, em ossos longos fraturados, tais como fêmur e tíbia. Vitório Campos acredita que fatores como idade, diferenças hormonais entre os sexos e comorbidades, como diabetes ou neoplasias — casos de crescimento anormal de tecidos —, poderão ter impacto para a recuperação de pacientes que passam por uma cirurgia óssea. Ainda assim, o método tem tudo para ser eficaz.
Agora, os pesquisadores preparam um artigo científico com os resultados dos testes concluídos em animais. O texto será submetido a revistas de pesquisa internacionais em breve. A equipe só depende da realização de um exame de microtomografia computadorizada mais preciso, que indicará a qualidade do osso formado nos suínos dos experimentos. "Será a cereja do bolo, para não termos nenhuma dúvida", afirma Vitório. A análise ocorrerá na Unicamp ou na USP. No entanto, as atividades nos laboratórios estão temporariamente suspensas, por causa da pandemia da covid-19.