ENTREVISTA

'A sociedade deve rever como cuidar da mente', diz professor de meditação

Presidente da Sociedade Vipassana de Meditação, Regis Guimarães afirma que sentimentos negativos afetam a plasticidade do cérebro humano. Em relação ao entendimento das emoções, o professor defende que haja um trabalho nessa linha desde a fase infantil

A prática milenar da meditação ganhou espaço no campo científico na década de 1970 e se desenvolveu como uma maneira de promover o autoconhecimento e a manutenção do equilíbrio da mente. Ontem, esse foi o assunto do programa CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília. O presidente da Sociedade Vipassana de Meditação, Regis Guimarães, conversou com o jornalista Alexandre de Paula, para explicar como os pensamentos podem remodelar o cérebro humano e como sentimentos negativos afetam a plasticidade do órgão.

Regis comentou o aumento dos casos de transtornos mentais durante a pandemia da covid-19, além da importância de trabalhar o entendimento das emoções desde a fase infantil. "Nós nunca tivemos um curso para entender como as emoções funcionam; como fazemos para entender a raiva, por exemplo. Como eu percebo isso e, se percebo, o que faço? Isso exige educação e treinamento. É ideal começar (a trabalhar o tema) com as crianças, porque elas têm uma sensibilidade enorme", recomendou o professor de meditação.

Como a meditação pode ajudar neste momento de pandemia?
Os transtornos mentais vêm sendo uma preocupação mundial. A sociedade moderna está excessivamente bombardeada por informação. As tecnologias têm propiciado uma oferta de informação e, atrás da informação, vem demanda. Não existe informação gratuita. Essa demanda provoca um grau de ansiedade que se propaga na sociedade moderna de forma muito intensa. A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) mostra que tem havido ampliação (dos casos) de falta ao trabalho, de (queda da) qualidade de vida por causa de transtorno mental. Isso se desdobra para o físico, gerando uma série de deficiências, incapacitando as pessoas. Estamos vivendo mais, mas diminuindo a qualidade de vida por incapacidade decorrente dos transtornos mentais. Com o processo da pandemia, as pessoas passaram a ter mais acesso à informação, por passar mais tempo em casa. Essa menor convivência social tem nos obrigado a ter mais contato com as mídias sociais, e a intensificação das mídias sociais tem um preço. Era um problema o excesso de informação pelas tecnologias e, com a pandemia, isso acelerou muito. Desde o início dela, há indicação de um aumento de 30% nos casos de depressão. Não estamos preparados para vivenciar isso. A sociedade deve rever como cuidar da mente. O nível de preocupação com ela está muito longe do nível de preocupação com o físico. Hoje, há uma oferta enorme de procedimentos para cuidar do físico. (Mas) nós não sabemos como cuidar de nossa mente. As pessoas procuram um psicólogo e um psiquiatra depois de chegar em um estado muito ruim, por vergonha.

A prática da meditação sofre preconceito?
As pessoas, infelizmente, têm umas correntes religiosas que acham que meditação é algo do diabo, algo místico que contraria a crença. Mas Cristo era um meditador. Ele ficou 40 dias no deserto. Dentro dessa reflexão, quando se atinge o estado meditativo, podemos ser mais criativos. Não tem nada de flutuar e ler mentes dos outros. Isso é fantasia, é mito. Muitas religiões têm práticas contemplativas, como o cristianismo, o judaísmo, o espiritismo e o islamismo. Mas a meditação perdeu esse aspecto de religião e se tornou ciência da saúde mental.

Como a meditação pode ser observada com as técnicas da ciência moderna?
A meditação se desenvolveu há mais de 3 mil anos, na Índia. Depois, foi trazida, nos anos 1970, para o mundo ocidental, por influência na guerra. Vários soldados que atuaram no front do Vietnã foram muito influenciados pela cultura local da meditação. Com a introdução de uma forma mais laica na sociedade, despertou interesse na ciência e, como (a popularização da prática) coincidiu com a origem da ressonância magnética, muitos cientistas que tinham interesse na meditação começaram a estudá-la com a visão científica e (para saber) quais efeitos ela tem no cérebro humano. Descobriu-se que a prática meditativa explora uma função do cérebro que nos dá neuroplasticidade, ou seja: quem medita tem alterações no cérebro. Com isso, eles desenvolveram uma série de outras pesquisas que mostram que nosso cérebro é plástico; ele se reformata conforme o indivíduo pensa. Assim, a forma de pensar te leva a reestruturar o cérebro. Se a pessoa é derrotista e, com a pandemia, começar a achar que tudo vai dar errado, que não vai conseguir mais recuperar a vida ou que está correndo risco e alimentar muito medo, criam-se, no cérebro, caminhos cada vez mais compactos nesse sentido. Então, se há um pensamento muito intenso em uma direção, o cérebro vai marcando aquilo cada vez mais. Para evitar esse processo, deve-se ter consciência disso. (Esse) é o primeiro movimento que vamos usar para perceber as tendências negativas que alimentamos. A prática meditativa é exercer mais autoconsciência.

Como tratar a parte emocional com as crianças?
Há um erro na estrutura escolar que é não ensinar nada sobre emoções. Nós nunca tivemos um curso para entender como as emoções funcionam; como fazemos para entender a raiva, por exemplo. Como eu percebo isso e, se percebo, o que faço? Isso exige educação e treinamento. É ideal começar (a trabalhar o tema) com as crianças, porque elas têm uma sensibilidade enorme. Temos um programa chamado Plena Atenção na Escola (PAE), onde treinamos professores para levar para a sala de aula uma série de experiências, diariamente, para fazer com que as crianças façam exercícios e, pela atenção, ensiná-las. Com isso, elas começam a perceber como os mecanismos das emoções funcionam. Na hora em que começam a fazer isso, elas mudam o comportamento na sala de aula.



*Estagiária sob supervisão de Jéssica Eufrásio