Em dia de aniversário, pareço bicho-do-mato, tento fugir de todas as formalidades inerentes à data. Havia um colega de redação que, sabedor da singularidade, botava o dedo na ferida. De cinco em cinco minutos, berrava a plenos pulmões: “Gente, ainda não falei, mas hoje é o aniversário do...”
Gostaria de me explicar. É que sou aquariano, não aprecio as convenções sociais. Tenho uma amiga que nega com veemência a astrologia como total mistificação a ser repudiada sumariamente. No entanto, ela é a prova mais cabal da força e da influência dos astros sobre uma pessoa. Ilustra, em carne e osso, a cada instante, as qualidades e as vulnerabilidades do seu signo.
Pois bem, sou o clichê do aquariano. Qualquer manual barato registra, com todas as letras, as minhas supostas qualidades e os meus defeitos reais. Sou um repórter distraído. Um amigo já afirmou, com muita pertinência: “O Severino é uma pessoa com os pés no chão. De Marte”.
Tenho um outro amigo ainda mais desligado que, em certo ano, esqueceu o dia do aniversário. Um colega lhe deu parabéns. E ele respondeu: “Por quê?”. Porque é o dia do seu aniversário, maluco!
Pelo que dizem, assimilei em altas doses outra característica do signo: a excentricidade. Mas pode ser que existam razões detrás da aparente loucura. Não tenho apreço por aniversário porque me desagrada ser tratado de maneira especial somente por causa da chamada data natalícia.
Recorro ao colega ilustre de signo, o aquariano Lewis Carroll, que diz, em Alice no País das Maravilhas, ser melhor comemorar a data de não aniversário do que de aniversário, pois, assim, se tornaria possível ganhar presentes em 364 dias por ano.
De minha parte, na mesma linha, considero que as pessoas da minha afeição merecem todas as atenções especiais todos os dias e não apenas na data do aniversário. Tento dispensar a elas esse cuidado e essa distinção. Também não me importo de ganhar presentes convencionais.
Os melhores que a vida me deu são os amigos e as amigas, pois partilham, amparam, inspiram e engrandecem. É muito bom ter pessoas que admiram e gostam de verdade.
Passei o aniversário confinado, mas cercado de afeto. Os meus dois netos, Judá, de 3 anos, e Aurora, de 7, me deram presente. Mas, na verdade, eles são o maior presente. Porque espalham alegria e vida pela casa.
Gostaria de brindar, aqui, aos aquarianos de que me lembro neste momento: Gioconda, Vladimir Cavalho, Armando Freitas Filho, Hugo Nitroglicerina, Adriana Izel, Igor e Wagner Hermusche. Nós não precisamos de tomar nenhum aditivo químico. Somos caretas pilhados pela própria natureza, já nascemos com LSD genético. Mais do que nunca, durante essa pandemia, é preciso celebrar cada dia de vida.