O Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB) é vanguardista em pesquisas de ponta e estudos inovadores sobre doenças raras. A atuação do centro médico não poderia ser diferente contra a covid-19. A unidade lidera estudos sobre a doença em menores de 18 anos. Desde julho do ano passado, o HCB realiza pesquisa clínica sobre o efeito do novo coronavírus em crianças e adolescentes. A equipe busca informações — tanto naqueles com doenças crônicas quanto nos saudáveis — sobre frequência, apresentação clínica, evolução do vírus e anticorpos.
“Mais de 800 crianças e adolescentes participaram da primeira parte da pesquisa e foram testadas, por meio de RT-PCR e sorologia, para covid-19”, explica a pneumologista do HCB e coordenadora médica da pesquisa, Luciana Monte. “Aquelas que apresentaram resultado positivo para a doença foram convidadas para o segundo braço, em execução hoje. Já temos dados parciais de cerca de 150 pacientes, embora 170 tenham sido analisados. Ou seja, pouco mais de 20% dos internados testaram positivo”, destaca a médica.
Com os resultados parciais do estudo, os pesquisadores constataram que a idade média das crianças infectadas com o novo coronavírus era de oito anos. Além disso, se combinados assintomáticos e pouco sintomáticos, a quantidade chega a cerca de 70% dos casos. Só os assintomáticos somaram entre 35% e 40% da amostra. Em relação aos sintomáticos, 40% apresentaram febre; 35% tiveram síndrome gripal; 20% sofreram de sintomas gastrointestinais, como vômito e diarreia; e 14% manifestaram síndrome respiratória multissistêmica.
Algumas crianças evoluíram para casos graves: 30% precisaram de UTI e 3% foram intubadas. Uma criança, com menos de um ano de idade, morreu. “Era um bebê saudável, fora da amostra que testou positivo para a covid-19. A causa da morte, por doença respiratória, ainda está sob análise”, ressaltou Monte. “Se compararmos com os idosos, a relação entre doenças crônicas e mortes por covid-19 é muito menor. A grande maioria das crianças infectadas apresentava enfermidade grave e, ainda assim, não tivemos mortes, apesar do maior risco. Foi um bom comportamento e ficamos felizes”, comemora a médica.
Em relação às crianças que precisaram de UTI, 40% não apresentavam doenças crônicas. “Esse dado é importante, porque muitas pessoas relativizam a covid-19 em crianças, mas não dá para determinar quem vai evoluir para óbito. É uma doença curiosa, e, com a pesquisa, tentamos responder algumas perguntas e contribuir com respostas”, avalia Monte.
Apesar de uma possível imunização contra a covid-19 em menores de 18 anos não ter sido objeto do estudo, os resultados podem vir a ser úteis para uma vacina. “A pesquisa dos comportamentos imunológicos pode ajudar. Depois das análises, vamos saber quem teve anticorpos e por quanto tempo”, conclui a pediatra.
Cardiologia
Ainda em relação ao novo coronavírus, uma das pesquisas em andamento no HCB envolve possíveis consequências da doença no sistema cardiovascular infantil. “Avaliamos sinais indicativos de sofrimento cardíaco e vascular na população pediátrica com covid-19, por meio de dados clínicos, laboratoriais e de imagem cardíaca, além de indicativos de sofrimento cardíaco em todas as crianças internadas em nossa UTI”, explica Marcelo Kozak, cardiologista pediátrico do HCB.
A equipe observou que 50% das crianças apresentaram algum sinal de injúria cardiovascular. “Os pacientes com alterações nos exames de imagem e com presença de uma proteína específica do coração na circulação foram os que mais necessitaram de suporte cardiovascular durante a internação, e potencialmente, os mais graves”, descreve o médico.
Em alguns pacientes, os exames foram repetidos ao longo da internação, e os resultados mostraram recuperação total nos achados iniciais, em todas as crianças novamente examinadas, o que, segundo Kozak, indica um processo dinâmico de cicatrização. “A literatura vem demonstrando que na população adulta pode haver sequelas mais tardias no coração. Em crianças, apesar dos nossos resultados, ainda não há essa resposta definitiva”, pondera o cardiologista, ressaltando que o estudo do HCB avaliou apenas os pacientes que precisaram de terapia intensiva. “Não sabemos se essas alterações em exames laboratoriais e de imagem estariam presentes em pacientes menos graves”, complementa o médico.
Referência
A diretora de ensino e pesquisa do hospital, Valdenize Tiziani, afirma que o HCB apostou, ao longo de quase 10 anos de existência, em investimento maciço em pesquisas científicas. “O desenvolvimento de drogas e tratamentos inovadores para doenças graves só é possível com pesquisa de ponta e medicina de precisão. E isso envolve estratégia rotineira de pesquisa”, explica Tiziani.
Graças à maturidade metodológica e à estrutura do hospital, em menos de um mês, foram desenvolvidos testes laboratoriais para covid-19, ainda no começo de 2020. “Elaboramos e submetemos o protocolo ao Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal (Lacen-DF), que autorizou nossos processos. Os resultados dos exames são obtidos em poucas horas, o que não é feito sequer por laboratórios pagos”, orgulha-se a diretora.
A testagem para covid-19 de todos os pacientes internados — que ainda hoje é feita no hospital — foi o primeiro passo de um grande trabalho que o Hospital da Criança vem realizando em relação à doença. Em 2020, o HCB foi responsável por 3,5% de todos os testes RT-PCR feitos no Distrito Federal, o que corresponde a mais de 5 mil testagens. “Arrisco dizer que, no Brasil, é muito provável que sejamos o único hospital pediátrico a fazer uma varredura dessa amplitude”, ostenta Tiziani.
Reconhecimento
Em dezembro de 2020, o Hospital da Criança foi o primeiro hospital da rede pública do Distrito Federal a receber o selo Acreditado com Excelência, nível máximo concedido pela Organização Nacional de Acreditação (ONA). Apenas outros dois hospitais públicos pediátricos no Brasil possuem a certificação. Também no ano passado, o HCB recebeu o Prêmio Latino-americano de Qualidade 2020.
Parcerias
Dentre as instituições nacionais e internacionais parceiras do HCB, destacam-se a Universidade de São Paulo (USP), em estudo sobre a influência genética na evolução da covid-19; o Hospital Necker, o maior hospital pediátrico da França; o Hospital for Sick Children, no Canadá, em pesquisa focada no desenvolvimento de doenças raras; e o Hospital Sant Joan de Déu, na Espanha, o segundo maior hospital pediátrico da Europa, com o qual o HCB mantém contrato de parceria técnico-científica.
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