No mesmo dia em que declarou que a possibilidade de um lockdown no Distrito Federal estava descartada, o governador Ibaneis Rocha (MDB) reviu sua posição. Na quinta-feira (25/2) à noite, ele decidiu adotar medidas mais restritivas para evitar a proliferação da covid-19. A partir de segunda-feira (1º/3), todas as atividades econômicas ficarão suspensas das 20h às 5h, à exceção de serviços essenciais. O decreto com os detalhes das novas regras deve ser publicado na edição de hoje do Diário Oficial do DF (DODF). Outra decisão que partiu do Executivo local na quinta-feira (25/2) trata-se do adiamento do retorno presencial de alunos da rede pública de ensino, que chegou a ser anunciado para 8 de março.
Esta é a primeira vez que o DF tem uma medida com foco em impedir a circulação de pessoas desde o início da pandemia. A ação afetará, principalmente, lojas, restaurantes e bares. O governador havia sido informado de que a ocupação dos leitos em unidades de terapia intensiva (UTIs) para pacientes com covid-19 na rede pública de saúde chegou a um nível preocupante, superior a 90% e, portanto, próximo de um colapso. A decisão saiu depois de Ibaneis passar os últimos dias tentando evitar a medida, que atinge fortemente a atividade econômica do DF. “As UTIs me fizeram mudar de ideia”, disse o chefe do Buriti ao Correio.
Na quinta-feira (25/2), o governador do DF se reuniu com prefeitos das 33 cidades que compõem a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal (Ride). O assunto do lockdown entrou na pauta e, nos próximos dias, os gestores dos municípios vão produzir e publicar um decreto conjunto que trata do fechamento do comércio nas respectivas cidades. Por volta das 19h, Ibaneis sinalizou a alguns empresários do setor no DF — por mensagens de WhatsApp — que teria de tomar uma providência diante da ocupação de mais de 92% nas UTIs públicas.
Para Edson de Castro, presidente em exercício da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF), a decisão é oportuna, diante do aumento dos casos. “É um mal necessário para evitar que as pessoas saiam à rua nesse horário (das 20h às 5h). Não é uma decisão contra o comércio, mas pode evitar mortes e hospitais superlotados”, avaliou. Para Edson, bares, restaurantes e shoppings serão os principais afetados: “Ainda vamos ver como os lojistas vão se adaptar a essa medida”, acrescentou.
Por outro lado, o presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar), Jael Antônio tentou impedir que Ibaneis adotasse o lockdown na segunda-feira (1º/3). “Ficamos muito preocupados, porque esse horário de fechamento inviabiliza o funcionamento noturno de todas as nossas casas. O setor passa por momentos cruciais e decisivos. Entedemos que esse horário poderia ser mais flexibilizado, a partir das 22h ou até das 23h. Infelizmente, teremos de protestar contra a decisão porque, mais uma vez, vamos ser altamente prejudicados”, ressaltou Jael.
Reunião
Depois de se reunir com os prefeitos, Ibaneis anunciou um pacto que prevê atendimento integrado de pacientes com covid-19. O acordo — que ainda precisa de aprovação do Poder Legislativo no DF e em Goiás — consiste na transferência de recursos e leitos dos municípios vizinhos para a capital federal. Apesar do trato, o Executivo distrital não tem detalhes sobre o total de recursos ou a quantidade de vagas que seriam transferidos para Brasília.
Atualmente, 12 das 127 pessoas internadas em tratamento contra a covid-19 no Distrito Federal são de Goiás. “Faltava uma pactuação entre as secretarias de Saúde, para fazermos um atendimento mais elaborado. Da maneira como ocorria, o recurso entrava nos municípios, mas o paciente era atendido no DF. Com esse pacto, o recurso vai acompanhar o paciente”, declarou Ibaneis.
Na quinta-feira (25/2), a ocupação de leitos em UTIs das redes pública e privada do DF chegou a 84,62%. No Entorno, as únicas cidades que dispõem de vagas desse tipo são Formosa (GO) e Valparaíso (GO), que atingiram lotação máxima. Para Ibaneis, o pacto permitirá ao Distrito Federal atender mais pessoas. “Vai, também, desafogar o sofrimento dos prefeitos e da população do Entorno”, completou o governador.
Apesar da intenção dos governantes, Thiago Sorrentino, professor de direito do estado do Ibmec, destaca que o trâmite para fazer esse tipo de transferência não é simples. “Cada ente federado tem leis orçamentárias; a mais específica é a Lei Orçamentária Anual (LOA). A maioria delas tem destinações pré-estabelecidas, tanto na Constituição quanto no restante da legislação. Seria preciso saber a quantidade disponível e se a transferência poderia ser feita sem violar a LOA ou a Lei de Responsabilidade Fiscal”, ponderou Thiago.
Para a execução, o professor confirma que seria necessária a avaliação dos poderes legislativos do DF e de Goiás. Quanto à necessidade de participação do Ministério da Saúde no acordo, Thiago explica que não há obrigatoriedade de intervenção. “Seria melhor que a pasta federal entrasse para organizar, pois, por ser o ente central, tem formas mais adequadas para saber quais regiões são carentes e quais têm superavit de capacidade de atendimento”, recomendou o especialista.
Consultado a respeito do assunto, o Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos da reportagem até o fechamento desta edição. Mesmo assim, as discussões sobre o pacto entre o DF e o Entorno devem avançar nos próximos dias. A expectativa é de que, um mês após a aprovação do acordo pelos poderes legislativos, os recursos comecem a chegar.
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