“No início de tudo, tinha muito medo de me contaminar. Era tudo muito novo e ainda tínhamos poucas informações sobre a doença. Só aqui, eu cheguei a fazer uns 20 enterros pela covid-19 em um dia. Todo dia, é um bocado”. O relato é de um sepultador de 28 anos, que não quis se identificar — um dos oito lotados na unidade da Asa Sul do Cemitério Campo da Esperança. Com o início da pandemia do novo coronavírus, a realidade dessa categoria, assim como a de grande parte da população, mudou drasticamente. Mesmo com a mudança nos protocolos de enterros e velórios, esses trabalhadores fazem de tudo para que o último contato entre os conhecidos e os falecidos seja feito da forma mais segura e confortável possível.
O número de enterros subiu 24% em 2020, na comparação com o ano anterior. Dos 14.331 funerais, 23,1% foram de vítimas do novo coronavírus, o que representa um total de 3.322 pessoas. “Nos enterros por covid-19, os caixões precisam ficar fechados, por risco de infecção. Mesmo com essa informação, algumas famílias insistem em pedir para abrirmos os caixões. É difícil explicar que não podemos”, revela o sepultador de 28 anos. Ele trabalha há oito anos no cemitério da Asa Sul e diz que algumas coisas mudaram na rotina com a chegada da crise sanitária.
“Passamos a ter que usar máscaras o dia inteiro, luvas para manipular os cadáveres e o caixão. Mas, foi só isso que nos passaram, nenhuma informação mais concreta em relação à infecção”, comenta. O rapaz conta que, todo dia, seis sepultadores trabalham na unidade. “Além de nós, há as pessoas que participam dos enterros e que, na maioria das vezes, estão aglomeradas. É um risco constante”, lamenta.
Outro sepultador, de 34, trabalha no Campo da Esperança Asa Sul há sete anos. Segundo ele, que também não quis se identificar, a categoria só se sentiu mais segura para lidar com os corpos das vítimas da covid-19 após certo tempo. “No início, foi um pouco bagunçado, realmente faltou informação”, lembra. “Agora, acostumei-me a usar luvas e máscara o tempo todo, mesmo sob o Sol, e a ter que explicar para as famílias que não podemos abrir o caixão de jeito nenhum. Já faz parte da rotina”, completa o homem.
Segurança
O Campo da Esperança, que administra os seis cemitérios do Distrito Federal, informou, em nota, que “todas as medidas de segurança estão sendo rigorosamente cumpridas”. Um decreto do Governo do Distrito Federal (GDF) editado em março de 2020 determina que os enterros de pacientes que morreram devido à covid-19 têm de ser feitos até 24 horas depois do óbito.
Sem precisar a quantidade, a empresa Campo da Esperança informou que houve registro de infecções pelo novo coronavírus entre os colaboradores, que foram afastados do trabalho em função da covid-19, mas que “não é possível determinar se a contaminação ocorreu no local de trabalho”, pois agentes administrativos, que não têm contato com os caixões, também ficaram doentes. Questionada pela reportagem, a empresa não divulgou quantos sepultadores atuam nas unidades sob a gestão da Campo da Esperança.
A infectologista Joana D’arc Gonçalves ressalta que trabalhadores que lidam com os caixões acabam ficando mais vulneráveis a contrair a doença. “O profissional que atua, ali, está bem exposto. Tanto pelo ao acondicionamento do corpo, que pode não estar adequado, quanto por vir a ter contato com alguma secreção. Tem, sim, risco elevado de infecção”, alerta a médica. A categoria não está inclusa nos grupos prioritários definidos pelo Plano Distrital de Vacinação.
A Secretaria de Saúde informou, em nota, que, “no início da pandemia, junto às secretarias de Justiça e Cidadania e de Segurança Pública, foi criado o Protocolo de Manuseio de Cadáveres e Prevenção para Doenças Infectocontagiosas com ênfase na covid-19, que orienta o manuseio de corpos, cujos óbitos tenham tido como causa suspeita ou confirmação da doença, em hospitais, necrotérios e cemitérios.