As cenas de destruição causadas pelo vendaval que atingiu o Distrito Federal, nos últimos dois dias, podem voltar a se repetir. A previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) é de que as pancadas devem continuar mais intensas no período da tarde até amanhã. Enquanto isso, a capital federal segue sob alerta amarelo, quando há risco de ventos de até 60km/h e o volume de chuvas pode atingir os 50mm. A previsão para hoje é de temperatura entre 17ºC e 29ºC, e umidade entre 35% e 90%, com possibilidade de pancadas de chuva.
O meteorologista Heráclio Alves explica que o DF está na borda de um sistema chamado de vórtice ciclônico de altos níveis. “Na região mais lateral, é onde se intensifica essa nebulosidade. Essa combinação de umidade alta, temperatura mais elevada e a condição de mais instabilidade favorece que ocorram chuvas intensas”.
O vórtice só deve se deslocar para o oeste do país depois de sexta-feira, o que deve diminuir a probabilidade de chuva durante o fim de semana. Mas, a trégua vai ser curta. “A partir do início da semana que vem, a umidade volta a aumentar, assim como as chances de ocorrer chuva mais forte”, esclarece o meteorologista.
Os vendavais dessa semana atingiram o DF depois de dias de veranico, intervalo sem chuvas, surpreenderam os meteorologistas. Até então, a expectativa era de que as estações meteorológicas não atingiriam o acumulado esperado para janeiro, que é de 209,4mm. No entanto, em dois dias, no Plano Piloto, choveu metade do esperado para o mês, e a estação já ultrapassa em 25% a média histórica de janeiro. Na segunda-feira, caiu 78mm, e, na terça, outros 54mm.
Para evitar mais transtornos, a Administração Regional do Plano Piloto realiza ações preventivas em 13 pontos da cidade. Apesar do rastro de destruição causado pelas últimas tempestades, o pior temporal da história do DF foi em novembro de 1963, quando foi registrado o maior volume em um intervalo de 24 horas: 132,8mm. Ao se observar apenas os meses de janeiro, o recorde ocorreu em 2016: foram 99,6mm acumulados.
Prejuízos
Não foi só o volume de água que impactou: a rapidez e a intensidade das pancadas também chamaram a atenção dos brasilienses. Foram registrados 52 chamados aos bombeiros relacionados às chuvas. Ontem, a cidade amanheceu sob o som das motosserras de funcionários da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), que cortavam os galhos para remover as árvores tombadas que se espalharam em diversos pontos.
Quem circulou pelo Eixo Monumental se queixou das calçadas e ciclovias bloqueadas. Um deles foi o ciclista João Pereira, 57 anos. “Passo aqui uma vez por dia. Hoje, tive de cortar caminho. Atrapalha, é arriscado cair ou entrar um pedaço de pau na bicicleta, me assustei”. A via que liga os dois sentidos da avenida e que passa em frente ao Centro de Convenções também ficou interditada para os veículos por causa da grande quantidade de troncos na pista.
Assim como a água, os relatos de danos materiais também se acumularam. Na 704 Norte, a força do vento derrubou uma árvore de 21 metros de altura, que ficava no estacionamento entre as quadras na W3 Norte. O advogado Pedro Ferreira, 40, tinha acabado de estacionar o veículo no local e fazia um orçamento na oficina ao lado do pátio quando a chuva forte começou. “De imediato, deu um estalo muito forte. Foi questão de minutos. Começou a ventania e a árvore veio abaixo”, conta. O carro amassado não tem recuperação.
Perto dali, na 306 Norte, o cenário era de devastação: os troncos se sobrepunham ao longo da calçada em frente aos blocos A e E, lâmpadas dos postes foram arrancadas. “Foi uma cena de terror. Deu bastante medo. As árvores ficaram balançando. Foi tudo muito rápido, quando uma árvore caiu, as outras foram em sequência, coisa de 10 minutos. Nunca tinha visto nada parecido”, lembra o estudante Rômulo Rocha, 21. Apartamentos em andares mais altos tiveram as janelas quebradas com o impacto da queda dos galhos. No térreo do Palácio do Buriti, houve danos: uma vidraça do térreo chegou a se partir com a força das rajadas de 75km/h.
Na Octogonal, o teto da Igreja Batista Shalom cedeu por volta das 18h30 e danificou toda a estrutura do altar, além de telões e equipamentos de filmagem. O culto, que em geral reúne 400 fiéis, estava marcado para as 20h, e no momento do desastre, havia apenas funcionários no local, que não se feriram. “Resolvi fechar a igreja até refazer tudo de novo. Uns três, quatro meses”, afirma o pastor Iron de Queiroz.
Mesmo com a chance de mais temporais, o serviço de limpeza não deve terminar tão cedo. “O temporal de ontem (terça-feira) foi fora do padrão”, explica o engenheiro agrônomo Guilherme Araújo. A engenheira florestal Luana da Mata, funcionária terceirizada da Novacap, diz que há muitas árvores no DF trazidas de outros biomas, e por isso, ficam mais suscetíveis a quedas. “Quando as árvores não são nativas, geralmente elas estranham. A árvore guapuruvu tem uma raiz muito superficial, muito frágil com o vento, por exemplo”.
Responsabilidade
O advogado e especialista em direito do consumidor Welder Rodrigues Lima explica que, a depender do caso, a pessoa prejudicada por desastres naturais por ser restituída pelos danos. “Para quem tem seguro, é preciso ficar atento à apólice. Se houver cobertura para esse tipo de acidente, é possível acioná-lo”, observa, acrescentando que a maioria dos contratos com seguradoras, hoje, dispõe a respeito desses casos.
O especialista afirma que também é possível cobrar do Estado o ressarcimento, desde que as árvores causadoras dos danos estiverem em vias públicas. “Se a pessoa tiver seguro, pode ser mais rápido acionar o órgão do governo responsável, nesse caso, a Novacap, via seguro. A desvantagem é que o cliente vai precisar pagar a franquia do serviço, que pode, no entanto, ser ressarcida junto ao valor do conserto”, ressalta o advogado. “Para aqueles que não têm seguro, é possível cobrar diretamente com a Novacap. É um caso de responsabilidade presumida, cívica e objetiva. Caso não seja feito nenhum acordo, aí a Justiça pode ser acionada”, complementa.
Para os casos em que a árvore causadora dos estragos esttiver em terreno particular, Lima adverte que a comprovação dos danos e a responsabilização são mais complicadas. “Nesses casos, a culpa não é presumida, porque a árvore poderia estar em boas condições, mas foi derrubada por ventos muito fortes, por exemplo”, avalia o especialista.
Prevenção
O tenente do Corpo de Bombeiros Reginaldo Machado diz que a manutenção preventiva é muito importante para evitar transtornos durante o período de chuvas. Para tanto, é preciso, anualmente, verificar a fixação das telhas e manter as calhas limpas, além de podar a copa das árvores. Outra recomendação é evitar estacionar os veículos sob elas. Os responsáveis por condomínios e setores habitacionais também devem verificar a rede elétrica das instalações e as condições da estrutura física. Se houver abalos, a orientação é acionar a Defesa Civil, pelo 199. Para quem está no meio da rua na hora do temporal, ele dá a dica: “Nunca enfrentar, porque o risco de ter um acidente é muito grande”. A recomendação é se abrigar em edificações ou em locais mais altos, até que a tempestade passe. Para os motoristas, se o nível da água estiver acima do meio da roda, é melhor parar e esperar a chuva diminuir. “É regra básica, não enfrente a correnteza, ela pode arrastar o veículo”.
Colaborou Ana Isabel Mansur
Locais de risco
» 41 áreas
» 19 regiões administrativas
» 5.686 residências em áreas de risco
Localidades
» Arniqueira, Ceilândia, Estrutural, Fercal, Itapoã, Núcleo Bandeirante, Paranoá, Planaltina, Recanto das Emas, Riacho Fundo, Setor de Indústrias e Abastecimento (SIA), Samambaia, Santa Maria, São Sebastião, Sobradinho, Sobradinho 2, Taguatinga, Varjão e Vicente Pires.
Fonte: Secretaria de Segurança Pública