Crônica da Cidade

por Severino Francisco severinofrancisco.df@dabr.com.br (cartas: SIG, Quadra 2, Lote 340 / CEP 70.610-901)

Museu da Bíblia

Em primeiro lugar, gostaria de registrar que nada tenho contra a Bíblia. O meu pai era pastor presbiteriano e cresci lendo os Salmos, os Cantares, as Epístolas de São Paulo, o Livro de Jó e o Apocalipse de São João. Mas, mesmo assim, não consigo entender o projeto da edificação de um Museu da Bíblia no Eixo Monumental, com uma presteza rara, quando existem tantas outras prioridades e problemas nos espaços culturais da cidade.

Espaços culturais importantes permanecem na condição de monumentos ao descaso. Todos os governos prometem reformar o Teatro Nacional Claudio Santoro e o Museu de Arte de Brasília, mas a intenção não sai do papel. O Teatro Nacional é um dos mais importantes monumentos criados por Niemeyer, está integrado ao cotidiano da cidade, mas se deteriora a cada dia.

Parece-me que reformar os espaços existentes seria a prioridade. Todavia, se pensarmos na possibilidade de construir novos monumentos, a sede definitiva da Fundação Athos Bulcão deveria ser o primeiro da fila. Athos é o mais importante artista da cidade, e a preservação e difusão de sua obra é uma questão essencial em uma cidade tombada pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade.

O arquiteto e parceiro Lelé Filgueiras ressalta que Athos Bulcão é uma figura exemplar nas artes plásticas, não só no Brasil, mas no mundo. Nenhum artista integrou de forma tão profunda a sua arte na arquitetura. Apesar das propostas de Fernand Léger e de Mondrian nesse sentido, depois do advento da arquitetura moderna, isso só aconteceu com abrangência pelas mãos de Athos Bulcão: “Athos não é somente um artista de Brasília; é um artista universal”.

É verdade que parte da sua criação está espalhada pela cidade e integrada de maneira indivisível com a arquitetura. No entanto, ele tem uma obra muito vasta e múltipla, doada em 1992 por Athos à fundação que leva seu nome para que fosse preservada, conhecida e difundida.

E, apesar das dificuldades, a instituição não reduziu o precioso legado a material passivo entulhado em um depósito. Ele se transformou em exposições didáticas, roteiro de visitas guiadas, jornais, projetos de educação pela arte e de direitos humanos. Alguns projetos receberam prêmios nacionais.

No ano passado, apresentei um texto sobre Athos Bulcão, que sairá, brevemente, em livro, para alguns estagiários. O objetivo era fazer um teste de audiência e saber se eles tinham dificuldade de entender. Para minha surpresa, boa parte deles conhecia muito bem a obra de Athos.

Perguntei qual era a fonte e eles me disseram que estudaram e pesquisaram no ensino médio. Esse trabalho pedagógico é organizado pela Fundação Athos Bulcão. Lelé Filgueiras, com quem Athos fez brilhantes parcerias, costumava brindar os amigos com um presente precioso: riscos de arquitetura.

E ele desenhou um prédio magnífico para ser a sede definitiva da Fundação Athos Bulcão. Morreu sem ver o sonho realizado. Se fosse edificada, seria mais uma atração turística para Brasília no Eixo Monumental só pela arquitetura.

Mas, além disso, impulsionaria todo o trabalho da Fundação Athos Bulcão. Athos é uma das pessoas que conferem dignidade a Brasília. Não merece ser relegado à condição de sem-teto na cidade que ajudou a construir e a ser distinguida como patrimônio cultural da humanidade.