Em entrevista ao programa CB.Poder, parceria do Correio com a TV Brasília, o procurador de justiça José Eduardo Sabo Paes falou sobre a importância do acompanhamento das medidas de combate à pandemia de covid-19 e do plano de vacinação contra a doença. Coordenador da força-tarefa do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) responsável por fiscalizar essas ações, ele alertou sobre o alto índice de internações e ocupações de leitos em unidades de terapia intensiva (UTIs) na capital do país e sobre os cuidados que devem ser mantidos mesmo com a chegada da vacina. “Sabemos que ainda estamos em crise. O fato de termos algumas centenas ou milhares de pessoas vacinadas nos próximos dias não vai resolver o nosso problema”, ressaltou.
O Distrito Federal está preparado para começar o processo de vacinação?
O Governo do Distrito Federal (GDF) está preparado para realizar a vacinação. Temos acompanhado essas ações, as quais precederam uma série de medidas e planejamento. Estivemos todos juntos, na quinta-feira passada — secretários de Estado, comandantes-gerais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros —, justamente discutindo essa estratégia. É um momento importante. Vamos receber 105.960 doses. É claro que esse número tem uma representação muito especial, no sentido de que serão priorizados para receber a primeira todos aqueles que estão dia a dia, noite a noite, atendendo nos hospitais. Isso é algo muito significativo, porque vivemos, nesses últimos 10 meses, momentos intensos. Se não fossem os profissionais da saúde, não teríamos os resultados que temos hoje.
Em relação ao plano de vacinação, está tudo preparado? Como ele está sendo feito e quais são as principais impressões?
As impressões foram muito boas, no sentido de que a Secretaria de Saúde e os órgãos técnicos — que fazem com que a vacina seja recebida no aeroporto, encaminhada às câmeras frias e, depois, às salas de vacinação ou hospitais — estão preparados. Os públicos-alvo e as fases de vacinação são definidos pelo Plano Nacional de Imunização, do Ministério da Saúde, que tem uma expertise fenomenal, reconhecida internacionalmente, inclusive pela OMS (Organização Mundial da Saúde). O plano estabeleceu grupos de vacinação, quatro fases, inicialmente, e, agora, três etapas. O DF, como as demais unidades da Federação, vai seguir essa forma. Por isso que há, talvez, uma primeira mensagem: é um dia importante. Vamos atender, agora, uma parte daqueles que estão na linha de frente. (Sobre) aqueles que são beneficiários dessa primeira etapa em razão da idade, nós não teremos ainda a disponibilidade. Futuramente, será divulgado.
Como o Ministério Público pode fiscalizar esse processo de vacinação?
O Ministério Público tem entendido que deve fazer o possível — senão o impossível — para preservar vidas, mas também preservar a série de atividades econômicas e sociais que fazem com que a vida exista. Nesse sentido, a força-tarefa tem, diária e semanalmente, atuado em diversos campos. Continuaremos a atuar no sentido de acompanhar justamente (para) que as vacinas sejam ministradas dentro das prioridades. Sabemos que é um trabalho complexo, porque serão envolvidas, em cada um dos postos, 11 pessoas. O tempo médio, em razão do cadastro que será feito e da situação de cada um que receberá a vacina, vai demorar cerca de sete minutos, para cada um ser atendido. Isso faz com que a gente tenha esse cuidado especial de continuar acompanhando as diversas fases do trabalho. Agora, o que vai facilitar muito nosso acompanhamento é uma conversa que tivemos com o governo e a predisposição dele de tratar a divulgação desse trabalho. Estamos fazendo um plano de comunicação do governo, para explicar à sociedade quais são as fases, quem são os primeiros atendidos, qual é o momento de cada um. Até porque, dentro das prioridades, serão majoritariamente atendidos (pessoas definidas) com relação à idade. Nessa primeira fase, abriu-se espaço para uma situação muito interessante para os locais que cuidam dos idosos. Essas pessoas serão atendidas na primeira fase, o que é muito importante, porque (elas) são as vulneráveis dos vulneráveis.
Existe muita gente que ainda tem medo por causa da quantidade de informações falsas que circulam. Depois que a vacina é aprovada pela Anvisa, é preciso ter esse medo?
Nós temos uma agência reguladora reconhecida internacionalmente. Temos profissionais técnicos, de maior gabarito, que fazem parte da Anvisa. Tivemos, no mundo todo, uma união de esforços envolvendo alemães, americanos, húngaros, chineses, que produziram diversas vacinas: algumas já aprovadas na etapa três, e muitas em uso emergencial. Temos de confiar. É vacina. Todas elas foram e estão sendo comprovadas como válidas. Tem alguém que, quando vai se vacinar, olha qual é o laboratório da vacina ou pergunta qual é a eficácia dela? Ninguém. Nós confiamos nos nossos órgão reguladores e nos fabricantes quando (imunizantes) passam pelo crivo deles.
Em quanto tempo vai ser possível vacinar toda a população do DF? É possível responder isso?
Não é possível. Nós temos de aguardar que seja produzido um volume maior de doses dessas vacinas para ter ideia desse andamento. Mas uma certeza nós temos: dos contratos feitos e das disponibilidades que teremos, que se anunciam para a ordem de 15 milhões por mês, eu diria que, dos próximos meses até o início do segundo semestre, teremos um percentual de 70% da população brasileira vacinada. Vai ser possível vacinar todo mundo, e vamos ter uma outra vida, mais tranquila e sem esse receio. Mas devemos continuar com os cuidados necessários.
Agora, a gente precisa de tempo para que a vacina possa chegar a todo mundo. Esse é o momento de ter cuidado, de se proteger também...
Exatamente. Estamos com índices ainda altos de internações, de pessoas em situação crítica nos hospitais necessitando de (leitos em) UTI (unidade de terapia intensiva) e UCI (unidades de cuidados intensivos). Vemos um esforço muito grande do governo em dar início à operacionalização dos chamados Hospitais de Campanha. Aqui no DF, temos o hospital da Polícia Militar e o de Ceilândia, que é permanente e onde nós vemos um esforço. Agora, o esforço não é só de equipamentos. Precisamos de recursos humanos. Sabemos que ainda estamos em crise. O fato de termos algumas centenas ou milhares de pessoas vacinadas nos próximos dias não vai resolver nosso problema. Nossa mensagem é (para que tenham) cautela, cuidado e (que) continuemos a seguir as prescrições.
As pessoas estão muito ansiosas para se vacinar, mas não será tão rápido. O processo é complexo e vai demorar?
Muito complexo. Podemos dizer que, no DF todo, temos 3,2 milhões habitantes, que há 4 milhões de cidadãos, contando com as cidades do Entorno, e que existem pouco mais de 600 mil pessoas enquadradas para as primeiras fases. Nesse enquadramento, haverá um tempo para o recebimento das vacinas. Só duas vacinas foram autorizadas em caráter emergencial e, dessas duas, só uma, hoje, tem doses disponíveis (a CoronaVac). Ainda não há disponibilidade de doses da outra aqui no Brasil, mas vai haver.
O senhor citou as conversas com a Secretaria de Saúde e com o GDF. Como foi o diálogo durante a pandemia e como tem sido? O governo local está aberto a passar as informações, a dialogar com o Ministério Público?
O governo entendeu que o Ministério Público e a magistratura não realizam e não definem política pública. O Ministério Público acompanha essa realização, colocando, inclusive, muito claramente, quais as prioridades e os caminhos estabelecidos em lei, fazendo com que o administrador cumpra essas prioridades. Mas entendemos que esse relacionamento interinstitucional é importante para as duas partes. E esse relacionamento foi aprofundado de forma muito técnica. Fizemos mais de 50 reuniões, com 50 recomendações e 600 ofícios junto a essa parceria. É claro que nosso primeiro movimento é conversar; o segundo é oficiar; e o terceiro, recomendar. Foram poucas as ações judiciais que impetramos, porque, para nós, interessa um Ministério Público resolutivo. Interessa resultado para atender a sociedade.
Mesmo com a definição do Plano Nacional, o GDF tem espaço para estabelecer prioridades a partir das características do Distrito Federal?
Dá para fazer alguns ajustes. Nós discutimos esse ponto, conversamos na quinta-feira, e o próprio governo (local) se posicionou. Exemplo: havia quatro fases inicialmente, nas quais os professores e os integrantes de segurança estariam relacionados. O Governo Federal suprimiu essa fase. O governo local vai fazer uma adequação, entendendo a importância desses profissionais e a necessidade de que eles fiquem capacitados para continuar na função. Resumindo, o governo (do DF) vai readequar essa quarta fase suprimida, para colocar como prioridade também.
* Estagiária sob supervisão de Jéssica Eufrásio