O caos tem nome
A primeira vez que ouvi a palavra caos, estava nas séries iniciais do ensino fundamental. Uma colega de classe apresentou trabalho que transitava pela arte e pela língua portuguesa. Numa linda flor, caule e pétalas eram compostos por expressões negativas, recortadas de textos de jornais e de revistas. A intenção era representar visualmente e simbolicamente o caos.
Confesso que, à época, mesmo alfabetizada, tive dificuldade de entender a complexidade do termo. Aos poucos, o sentido ficou mais claro, e ganhei até confiança para usar o vocábulo em algumas produções literárias. Mas nada sintetiza tão bem o significado de caos do que a situação do Amazonas, hoje. Manaus virou um centro de operação de guerra, sem que nenhuma disputa ideológica ou territorial com outro estado ou nação tenha sido declarada.
O que estava declarado, no entanto, em alertas seguidos de cientistas e de médicos que atuam na linha de frente do combate à covid-19, era que a segunda onda viria e com o potencial de ser mais devastadora do que a primeira. O aviso foi ignorado. Assim como a informação de que um insumo básico para tratar uma infecção que ataca os pulmões estava acabando. Sem oxigênio, as pessoas começam a morrer por falta de ar.
Em entrevista à jornalista Roberta Pinheiro, as médicas Larissa Figueiredo e Fernanda Soares, ambas de Manaus, relataram os momentos de terror que a população do estado tem vivido. Sem nenhum centro de tratamento intensivo instalado nos municípios, todos os casos graves precisam ser transportados à capital amazonense, o que agrava o quadro crítico dos sistemas de saúde, tanto público quanto privado.
Todo o dinheiro do mundo não é suficiente para comprar um cilindro de oxigênio em Manaus, porque eles simplesmente não existem, descreveu Fernanda, que é clínica geral e especialista em atenção domiciliar. Erros de gestão sucessivos, como o fechamento do hospital de campanha após a primeira onda, levaram ao cenário caótico que o estado vive hoje, observa a doutora Larissa, que é endocrinologista mas tem contribuído também para o atendimento na linha de frente, dada a urgência da situação.
Minha colega de classe que apresentou o trabalho sobre o caos há mais de 20 anos na escola formou-se em medicina e atua no atendimento hospitalar no Sul do país. Certamente, ao montar aquela flor que transparecia desordem e desespero, ela não poderia imaginar viver um momento tão simbólico dessa experiência do passado. A cidade cercada pelo bioma mais diverso e imponente do planeta perde o fôlego diante da estupidez humana.