Viagem marcada e passagens compradas; mas a incerteza da pandemia fez com que os consumidores desistissem de viajar, e a dúvida de como proceder nesses casos se instalou. Como forma de ajuda para resolver o problema e facilitar para os passageiros, em agosto do ano passado, o governo federal divulgou a Lei nº 14034/20, que flexibiliza as normas de cancelamento ou remarcação de voos com medidas emergenciais por conta da pandemia da covid-19.
Inicialmente, a norma previa que os cancelamentos e pedidos de reembolso e concessão de créditos poderiam ser feitos até 31 de dezembro de 2020. Mas, no final de 2020, a Medida Provisória 1.024 foi instituída, prorrogando estas regras para até 31 de outubro de 2021. Segundo o texto da medida, um dos objetivos é dar aos usuários maior flexibilidade para desistência do voo, por causa das incertezas ocasionadas pela pandemia.
No entanto, é preciso que os consumidores estejam atentos a dois casos específicos: quando o passageiro cancela e quando o cancelamento é realizado pela empresa área. No primeiro, a medida provisória prevê o reembolso do valor, no prazo de um ano, por cancelamento de voos marcados entre os dias 19 de março de 2020 e 31 de outubro de 2021; mas isso não significa que o usuário terá o valor total devolvido na fatura do cartão de crédito.
O advogado e professor de direito do consumidor na Universidade de Brasília (UnB) João Pedro Leite Barros explica que o estorno do valor dependerá das penalidades contratuais que existirem na passagem, ou seja, da tarifa de cancelamento estabelecida por cada empresa, de acordo com o tipo de passagem. “Existem bilhetes que, por serem promocionais, têm uma tarifa de cancelamento de 60% e até 90%. Se o consumidor comprar, por exemplo, a tarifa light, e lá dizer que, em caso de cancelamento, a multa é de 30%, se ele pagou R$ 1.000, só vai receber R$ 700 de reembolso”, esclarece o especialista. As regras tarifárias são disponibilizadas nos sites de cada companhia aérea.
A outra opção é o reembolso em forma de crédito. Para esse tipo, a lei garante a devolução integral do valor da passagem para que o consumidor possa utilizar o crédito na compra de outro voo no prazo de um ano e seis meses, contado a partir da data de recebimento. “Nesse caso, o cliente vai usar 100% do valor que ele comprou”, garante João. A legislação também prevê que o crédito deverá ser concedido em até sete dias, a partir da data de solicitação pelo passageiro.
Já quando o cancelamento é feito pela empresa, é garantido ao consumidor as alternativas de reacomodação em outro voo da própria empresa ou de outra, de remarcação da passagem aérea sem ônus e do reembolso em valor integral. “Veja que é diferente do primeiro caso, que o passageiro cancela. Se a passagem foi R$ 500 e a empresa cancelou, o passageiro vai receber o preço cheio, porque quem está cancelando é a companhia aérea”, esclarece o especialista.
O reembolso poderá ser feito por meio de concessão de crédito ou de devolução do valor sem qualquer tipo de desconto, de acordo com a preferência do passageiro. Caso o consumidor opte pela remarcação, ela deverá ser feita seguindo o mesmo destino do voo cancelado, sem custo adicional.
Dicas
Segundo o especialista em direito do consumidor, as principais dicas para os usuários são: verificar as taxas de cancelamento antes da compra e fazer uma escolha consciente e eficiente, em cima das suas condições financeiras. “Se o dinheiro for importante para a pessoa, é importante pedir o reembolso. Mas, no caso da pessoa querer viajar, ela pode utilizar a opção do crédito”, aconselha.
Outro ponto que João Pedro destaca é que as informações transmitidas ao consumidor pelas companhias devem ser feitas de forma clara, limpa e objetiva. O advogado reconhece as dificuldades que os consumidores têm de exercer os seus direitos e critica a limitação, pelas empresas, dos canais de atendimento. “O reembolso e a devolução dos valores só podem ser feitos presencialmente ou pela internet. Isso tem sido confrontado pelos Procons, porque limita o direito do consumidor”, aponta.
Problemas
A analista de contratos Renata Paula Telles, de 34 anos, passou por uma situação difícil com uma empresa aérea após ter tido o voo cancelado duas vezes. A analista havia comprado 23 passagens com destino a Cuiabá para participar de um evento de capoeira. Na primeira vez, a empresa cancelou somente a ida e deu a opção para que Renata remarcasse as passagens para o mesmo dia. No entanto, a remarcação também foi cancelada. “Foi muito ruim, porque a gente estava com tudo programado para poder ir”, contou.
Depois do segundo cancelamento, Renata entrou em contato com a companhia por telefone, mas teve de esperar por duas horas até ser atendida. “É muito complicado a gente conseguir contato com eles. Hoje, há tantos meios de comunicação, mas a gente não consegue resolver o problema”, reclamou a analista. Como solução, a empresa ofereceu as opções de remarcar, pela terceira vez, ou obter o crédito.
Facilidade
Diferente do caso anterior, a moradora da Asa Sul, Ana Luíza Ribeiro, 21, não teve tantos problemas na hora de cancelar as passagens. A estudante de direito estava com duas viagens marcadas para o Rio de Janeiro para ver shows de artistas favoritos. A primeira passagem, programada para maio do ano passado, foi comprada com milhas. Logo que percebeu que a pandemia não passaria tão cedo, Ana conta que correu para cancelar e não teve dificuldades para ter as milhas de volta. “Quando deram o lockdown, tudo estava fechando, eu percebi que não ia ter o show. No começo de abril, eu entrei no site da companhia aérea e eles cancelaram rápido, as milhas foram devolvidas no dia seguinte”, lembra.
Já para a segunda viagem, programada para outubro do ano passado, a opção escolhida foi pegar créditos de forma integral para utilizar em viagens futuras. Ana Luíza até pensou em pedir o reembolso, mas, viu que muitas pessoas estavam cancelando viagens e que essa opção poderia ser prejudicial para a economia da empresa aérea. “O que eu acho é que eles podiam conceder um tempo maior para remarcar. Nós não temos certeza de como a pandemia estará para poder escolher uma data de viagem”, contesta a estudante. Para ela, o atendimento ao pedir o crédito foi tranquilo e a empresa, durante a ligação, avisou sobre uma possível demora em razão do número reduzido de pessoas.
Mesmo com as dificuldades, o professor de direito do consumidor aconselha as pessoas a buscarem sempre o diálogo. “O consumidor deve tentar resolver administrativamente o seu problema por meio do call center da empresa ou chat eletrônico, também por e-mails e, se for o caso, fisicamente”, sugere o especialista. Entretanto, caso o problema permaneça, o usuário do serviço pode procurar o Instituto de Defesa do Consumidor (Procon), as vias judiciais e até mesmo a plataforma de conciliação consumidor.gov.br, que faz uma aproximação com o fornecedor em busca de uma solução.
* Estagiárias sob a supervisão de Adson Boaventura