Crônica da Cidade

Cotidiano

Alguém me pergunta, na fila da padaria, qual o caminho mais rápido para chegar a um endereço estranho. Tento ser simpático. Acho que o rapaz está trabalhando. Ele usa blusa de frio grossa e mochila nas costas. A pele está queimada demais. A máscara, desbotada. Não sei, respondo. Eu sempre erro direções e me guio pelos aplicativos de mapas.

Não sou extrovertido, mas acho que perguntaria mais detalhes, tentaria ajudar e talvez fizesse uma pesquisa rápida um ano atrás. Mas, agora os tempos são de solidão e me incomoda estar tão perto. Me desloco na fila em busca de espaço, quase pergunto se ele desconhece as regras sanitárias. Desisto quando lembro que estou de moletom surrado às três da tarde de uma quinta-feira e que a distância entre o meu atual local de trabalho e a padaria é de cerca de dois minutos (de elevador). Volto para a casa encabulado e continuo a escrever e a procurar notícias.

Eventualmente, preciso sair para trabalhar, mas, na maioria dos dias, fico restrito aos meus 33 m². Tenho saudade dos meus amigos, do vinho e da cerveja que dividimos em noites sem rumo. Sinto muito medo, apesar dos privilégios. Li alguns estudos que dizem que pessoas gordas estão no grupo de risco. Tento me alimentar melhor. Nem sempre consigo.

Faço pagamentos no app dos bancos todo início do mês. Odeio burocracia, odeio tudo que está ligado com gestão de dinheiro. Me desoriento entre os números e, como alguém prestes a perder a juventude, gasto 70% do que ganho com comida de aplicativo. Ou gastava. Desinstalei os apps. Não quero ser cúmplice de mais essa exploração, bastam as que me são impostas e as que não consigo ignorar.

Venta pouco dentro da minha cabeça. Superaquecimento. Pressinto que, em algum dia, o sistema vai dar pane e será necessário esperar um tempo para que a temperatura baixe e a máquina — eu ou posso dizer nós? — conclua o reinício. Talvez algumas peças sejam comprometidas no processo. É possível que algumas partes estejam sofrendo.

É estranho. Por mais que eu ande e fuja, algumas platitudes continuam ecoando. E sigo escrevendo poemas para a lua, insistindo em transações picaretas nas quais troco palavras por meia dúzia de ilusões e enganos. Tento me convencer de que devemos ser otimistas, de que os canalhas não podem ser eternos e que, em algum momento, há de pintar uma saída. É o que resta.

Então, eu me jogo na cama. É fim do dia. Está tarde. Nico, meu gato, pula em cima do meu peito e exige que eu fique quieto. Bate no celular com o rosto. Nina, minha gata, deita ao lado e pede carinho sem chegar muito perto. Resigno-me. Eles não sabem nada, penso. Porém, talvez eles é que saibam tudo.