Algumas pessoas, inclusive as sensatas, disseram que 2020 é um ano que não deveria ter existido. Bem, nem é uma questão de divergência, mas o fato é que 2020 existiu e não podemos negá-lo ou apagá-lo. Acho que a gente tem de aprender algo de tudo o que vivemos, por mais duro e difícil que seja. Uma das coisas que me deixa mais irritado comigo mesmo é não tirar nenhum aprendizado das experiências e reincindir no mesmo erro.
A pandemia tem muitas lições a serem assimiladas pelos indivíduos, pelas instituições e pelas nações. Não digo que seja uma experiência agradável. Claro que ela impõe restrições, angústias e incertezas. Mas até parece que antes a vida era um deslizar de lanchas sobre camélias, como diria Carlos Drummond de Andrade, e vivíamos em um mundo perfeito.
Embora a pandemia tenha atingido a todos sem distinção de classe, ela expôs as desigualdades sociais, a destruição do meio ambiente, a máquina da mentira e a irresponsabilidade de alguns governantes. A União Europeia resolveu tomar uma atitude em bloco e só firmar contratos comerciais com empresas de países que preservam o meio ambiente.
Até grupos de investidores, considerados alienados históricos das questões sociais, enviaram cartas a autoridades brasileiras alertando que os compromissos com a preservação das florestas teriam um peso nas decisões de investimento.
No plano interno, a pandemia escancarou a relevância do nosso SUS, o mais amplo sistema público de saúde do mundo, alvo de constante desinvestimento e ataques dos lobbies do sistema de saúde privada. Enquanto isso, os planos de saúde têm o caminho aberto para impor os aumentos mais absurdos em meio à maior crise de saúde sanitária da humanidade, sem que nenhuma agência de controle se manifeste ou sem que o parlamento se posicione para defender o interesse público.
Ora, quem teve aumento nos lucros da ordem de 31% durante a pandemia? O SUS atende a 75% da população brasileira. Até o ex-ministro da saúde Luís Henrique Mandetta, antigo adversário do sistema público de saúde, vestiu a camisa do SUS.
Em nome da sanidade, não se pode negar os mortos ou a morte. Alguns governantes reduziram a experiência dramática da crise sanitária a uma tragichanchada. Mas a pandemia trouxe lições de solidariedade, de essencialidade e de fatalidade. É uma experiência trágica que deveria nos tornar seres humanos melhores.