A realidade do confinamento por conta da covid-19 colocou para muitos casais o desafio de superar a convivência ininterrupta. Prova disso é o recorde no registro de divórcios em cartórios. Segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB), ao todo, foram 1.833 separações no Distrito Federal em 2020, o maior número da série histórica, iniciada em 2007. O mês com maior quantidade de ações de divórcio foi dezembro, com 203 processos.
O relações públicas Daniel Abem, 31 anos, passou por uma separação em outubro. Segundo o morador da Asa Norte, o fim do relacionamento não foi motivado apenas pela pandemia, no entanto, a convivência em tempo integral impactou no casamento.
“Aconteceu por conta de uma depressão que eu tive. Eu estava em um sofrimento absurdo, que eu não conseguia mais vê-lo como um par romântico”, conta. “Nós trabalhávamos e morávamos juntos. Esse excesso de contato nos deixou mais amigos. Perdemos aquela coisa da saudade. A pandemia ajudou a separar nesse sentido, de excesso de contato”, diz Abem.
Sobre o ex-companheiro, Daniel afirma que, atualmente, eles estão tendo conflitos, mas que pretende manter um relacionamento saudável com o ex. “Estamos tentando manter a sociedade do trabalho, mas ainda está difícil. Estou me esforçando para que isso aconteça, espero que a gente consiga ser amigo”, conta.
Daniel acredita que o tempo é o melhor remédio, em meio à turbulência de um divórcio. “Como foi uma decisão que partiu de mim, acho que ele sofreu mais. Eu sinto falta do dia a dia, de ser amigo, da convivência. Cada um tem um tempo para se decidir, para se recuperar emocionalmente”, conclui.
O psicólogo Igor Barros destaca que esse é um momento de autodescoberta e reconexão. “A melhor coisa a fazer é se reconectar com as amizades distanciadas, recriar a apresentação pessoal e trabalhar o psicológico quanto ao que ficou da separação”, ressalta.
Na avaliação do psiquiatra Alisson Marques, na maioria das vezes, existia uma crise na relação que foi acentuada com a pandemia. “O isolamento nos fez entrar em contato com algumas vulnerabilidades enquanto seres humanos que, até então, não pensávamos ou não tínhamos tempo para pensar a respeito. A própria disponibilidade de um tempo com a questão interna impactou em alguns casais que perceberem que aquela relação já não mais satisfazia”, diz o médico.
A psicóloga Mônica Almeida faz essa mesma análise. “As maiores causas de divórcio são problemas internos. Mas, se temos um fator externo, claro que isso atiça muito mais”, reitera. “Quando você priva o ser humano de liberdade, todos os seus fantasmas e a sua sombra vêm à tona”, analisa Mônica Almeida.
Dor e luto
O trauma de uma separação pode trazer muito sofrimento para o ex-casal. Como se espera que o amor dure para sempre, o fim da relação pode representar uma espécie de luto. “Todo mundo se casa com a expectativa de se manter casado por muitos anos ou para a vida toda. Há uma idealização deste casamento. Então, quando se tem o divórcio, há uma desconstrução desse ideal de relação ou de família sonhada”, revela o psiquiatra Alisson Marques. O sentimento de perda é inevitável. “Muitos casais vivem de maneira muito simbiótica um com o outro e, quando um se distancia do outro, é como se parte dele se perdesse”, conclui o médico.
A professora Girlene Torres, 50, engrossou as estatísticas de 2020. Ela se separou em setembro de 2019, mas conseguiu se divorciar, legalmente, somente em julho do ano passado. “Foram 23 anos casada, uma vida. Não sei muito bem o que aconteceu. Foi uma decisão dele”, conta Girlene. Ela garante que o relacionamento não teria sobrevivido ao confinamento. “Ele não teria aguentado ficar de jeito nenhum, porque já estava dando sinais de não estar satisfeito”, diz. Girlene conta que, depois do divórcio, o ex-marido tentou reatar o casamento, mas era tarde demais. “Estou bem melhor, e namorando”, afirma.
Passo a passo
No Brasil, em 2020, houve 43.859 divórcios extrajudiciais, diretamente em cartórios de notas. Esses processos são feitos mediante uma escritura pública diretamente no cartório, na qual devem constar as disposições relativas à partilha dos bens comuns do casal. Os divorciados precisam estar de acordo com todos os termos da separação.
O divórcio judicial é indicado quando existe algum tipo de conflito. “Pode ser relativo aos bens: divisão material ou alguma outra forma. Também é obrigatório, quando o casal possui filhos menores de 18 anos”, explica o advogado especialista em processo civil Rodrigo Fagundes.
Entre as unidades federativas que registraram aumento, 16 bateram o recorde histórico de divórcios no ano passado: Acre, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Santa Catarina e São Paulo.
Divórcio on-line
Desde maio do ano passado, é possível se divorciar pela internet em todo país. A primeira separação extrajudicial do país lavrada em cartório nacional dessa forma ocorreu em Sobradinho, em 25 de junho de 2020. “Para se divorciar on-line, o casal não pode ter filhos menores de 18 anos ou incapazes, precisa estar em processo de separação consensual e assistido por um advogado”, resume Rodrigo Fagundes.
O processo pode ser realizado por meio da plataforma e-Notariado — www.e-notariado.org.br. Nessa modalidade, o casal, em posse de um certificado digital emitido de forma gratuita por um cartório de notas, pode declarar e expressar sua vontade de divórcio em uma videoconferência conduzida pelo tabelião.