CORONAVÍRUS

Brasilienses contam como fizeram para manter sonhos e projetos em meio à pandemia

Períodos de crise exigem transformações. Brasilienses contam como a pandemia do novo coronavírus os motivou a realizarem sonhos, iniciarem projetos e adaptarem o dia a dia para enfrentar este período de incertezas

Caroline Cintra
postado em 06/01/2021 06:00 / atualizado em 06/01/2021 07:14
 (crédito: Ed Alves/CB)
(crédito: Ed Alves/CB)

A pouco menos de dois meses para completar um ano do primeiro caso confirmado de infecção pelo novo coronavírus em Brasília, ocorrido em 5 de março, a chegada da pandemia exigiu de todo o mundo muito jogo de cintura para enfrentar a crise sanitária. No entanto, as dificuldades causadas por ela despertaram nos brasilienses a vontade de realizar sonhos antigos. Trocar de emprego, aumentar a família e morar sozinha são algumas escolhas que transformaram a vida de diversas pessoas diante da ameaça da covid-19.

A empresária e nutricionista Thalita Loiola, 26 anos, sempre teve o sonho de abrir o próprio negócio. Ano passado, ela trabalhava em uma empresa onde prestava consultoria nutricional. Com a chegada da crise, um grupo de funcionários foi demitido, inclusive ela. “Foi um susto receber essa notícia logo no início da pandemia, porque não sabíamos as proporções que tomaria. Foi um baque e uma incerteza de como seria o futuro. O sentimento era de angústia”, lembra.

Desempregada, mas com o apoio do noivo, Eduardo Monteiro, Thalita resolveu tirar do papel o sonho de empreender e abriu uma empresa de comida congelada, ramo no qual é apaixonada. “Imaginei que isso aconteceria no futuro e não pensei que fosse ser tão rápido. Sempre gostei de cozinhar, e a pandemia me abriu as portas na área que eu amava”, avalia. Para ela, os desafios iniciais foram grandes, principalmente, por ter de atuar em funções com as quais não estava adaptada. “Assumi as redes sociais da empresa, tive que aprender sobre marketing, contabilidade. Além de ter que cozinhar e colocar a empresa para funcionar. É desafiador”, destaca.

Embora passar por mudanças seja difícil para muitas pessoas, a empresária conseguiu ver tudo de forma otimista e positiva. “A pandemia mudou a minha vida. Me fez crescer profissionalmente, como ser humano. Fiz do limão uma limonada. Jamais imaginei que abriria (uma empresa) em meio a uma crise. As coisas acontecem, realmente, quando têm que acontecer”, completa Thalita.

Para a estudante Nathália Vajas, 26, a mudança foi literal. Ela resolveu sair da casa dos pais, no Park Way, para morar sozinha em um apartamento em Taguatinga Sul. A vontade de ter uma vida independente existe desde os 19 anos. Além disso, o atrito com uma parente que morava no mesmo imóvel intensificou esse desejo. Com o isolamento social e a orientação de ficar em casa, a convivência ficou ainda mais difícil e os conflitos familiares mais frequentes.

Em junho, com o apoio dos pais, ela procurou um apartamento e conseguiu montar do jeito que sonhava. “Alugamos, compramos os móveis. Montei a casa do meu jeito. Apesar de a nova experiência ter apenas seis meses, estou feliz. Tive que adaptar minha rotina. Agora, tudo é diferente, é uma vida nova”, afirma Nathália.

Festas
Em tempos normais, as festas realizadas pela social media Priscilla Vieira Feitosa, 27, costumam ser cheias. Na lista de casamento dela, em 2016, havia 350 pessoas. No aniversário de 1 ano da filha, Manuela Vieira Feitosa, hoje, com 2, eram cerca de 150 convidados. Devido à pandemia, as comemorações precisaram ser adaptadas, para evitar a disseminação do novo coronavírus. “Nossas festas sempre foram cheias e se não pudesse convidar todo mundo, não fazíamos. Ou chama todo mundo ou ninguém”, diz.

Este ano, por conta do cenário imposto pela covid-19, Priscilla pensou em não celebrar os 2 anos da filha, mas, após insistência dos familiares, ela e o marido, Alair Neto, fizeram uma comemoração pequena. “Antes era uma festa de 150 pessoas. Dessa vez, tinha, no máximo, 15. Mas não deixou de ser um momento legal e bacana. Tem gente acostumada com estilo de vida mais reservada, com menos gente. Mas, a nossa é bem agitada, meu marido é pastor, éramos líderes de jovens na igreja e tudo que fazíamos chamávamos todos. Sinto muito ter que ficar restrito. Espero que, este ano, tudo mude e voltemos a fazer festa grande”, avalia Priscilla.

Pets em casa
Apaixonada por animais de estimação desde a infância, a audiovisuasta Amanda Alves, 25, decidiu adotar Estrela, uma filhote de vira-lata. Quando tinha 10 anos, a jovem ganhou uma cadela, que foi sua companhia por 15 anos. Filha única, o animal era o grande parceiro de vida. Cinco meses antes do início da crise sanitária, o bichinho de estimação morreu. Com a perda, ela e os pais decidiram não ter mais nenhum pet.

Durante a pandemia, a família mudou de ideia. “Apareceu uma oportunidade de adotar um, mas não deu certo. Entretanto, nossos corações estavam abertos para a adoção. Pesquisando em grupos de pessoas doando, vimos a foto dela e pegamos. A Estrela é nossa companhia nesses tempos, a chegada dela movimentou a energia da casa”, conta Amanda.

Como teve o primeiro cachorro por muitos anos, a audiovisuasta não lembrava mais dos cuidados que um filhote demanda. “É interessante ver todo o desenvolvimento dela, e como a gente se relaciona. A chegada da Estrela nos ajudou a enfrentar a pandemia. Concentramos nosso tempo nela. Essa mudança está sendo importante, porque estávamos numa rotina caótica, e a Estrela veio trazer leveza”, detalha Amanda.

Moradora de Santa Maria, a produtora de conteúdo Kamila Braga, 27, tinha em mente a raça de cão que gostaria de ter em casa: labrador. Como não encontrou nos locais de adoção, comprou um. Hoje, Belli faz parte da família. Como sempre trabalhou fora, Kamila tinha receio de ter um cachorro e deixá-lo sozinho por muito tempo. Com a pandemia, ela passou a fazer home office e conseguiu realizar o sonho. “Toda a vida eu quis ter. Tive mais certeza em outubro. Conversei com minha mãe, e ela apoiou”, relata.

Belli foi para a casa com três meses. “Agora, preciso me organizar com tudo, porque tenho que ter tempo para trabalhar, mas tenho o compromisso de dar ração, brincar com ela. Minha vida ficou mais organizada com a chegada da Belli”, brinca Kamila. Além da diversão, a cadela proporciona um bem-estar para as tutoras, também em relação à saúde. “A chegada dela nos ajudou muito a enfrentar a pandemia. Eu tenho depressão e, às vezes, não estou em um bom dia, e ela faz eu me sentir melhor”, completa.

Oportunidade
O psiquiatra Alisson Marques explica que situações de crise representam um desequilíbrio tanto no campo pessoal quanto no ambiente. Diante disso, é natural que os seres humanos observem diversas releituras e questionamentos da vida e decidam passar por mudanças. “Onde estou? O que estou fazendo? São perguntas que podem trazer oportunidade de mudar o rumo da decisão. É uma oportunidade de mudança para algo que a pessoa queria antes ou para se reinventar”, revela o especialista.

Para muitos, o medo é um uma barreira para mudanças, por isso merece atenção quando é excessivo. “O medo é natural. Certa ansiedade é um recurso para ponderar como pensar e como agir. Não pode ser algo desproporcional, quando paralisa. Isso atrapalha a funcionalidade”, destaca o médico.

A psicóloga Rita Martins ressalta que períodos que exigem mudanças repentinas, como é o caso desta crise sanitária, são importantes para alertar as pessoas sobre aspectos fundamentais da vida, que por vezes são esquecidos. “A família mais próxima, o emprego, o afeto dos bichos de estimação. São coisas que, no dia a dia, não valorizamos tanto, porque fazem parte da nossa rotina. Mas, viver uma pandemia, onde o cenário é de muita tristeza, perdas, demissões, abrimos os olhos para o que realmente importa”, analisa.

 

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    Após Amanda perder a pet que a acompanhava há 15 anos, ela adotou Estrela, e, hoje, são melhores amigas. Foto: Ed Alves/CB/D.A Press
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    Estrela, a filhote de vira-lata, conquistou a família de Amanda Foto: Ed Alves/CB/D.A Press
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    Priscilla e Alair comemoraram os 2 anos da filha, Manuela, com uma pequena festa Foto: Arquivo pessoal
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    Trabalhando em home office, Kamila Braga realizou o sonho de tutorar um cão, a Belli Foto: Arquivo pessoal
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    Thalita Loiola ficou desempregada e viu a oportunidade de abrir a própria empresa Foto: Arquivo pessoal
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