A descrição do processo de recuperação da covid-19 como uma batalha é precisa, especialmente, para aqueles que enfrentaram a doença em sua forma mais grave e dilacerante. Entre os mais de 242 mil moradores do Distrito Federal que venceram a doença ao longo do primeiro ano de enfrentamento da pandemia, há histórias de superação e também ensinamentos.
Rodrigo Souza, 37 anos, técnico de monitoramento de redes da Imprensa Nacional, relata que o corpo ainda traz algumas marcas da covid-19. No dia do aniversário, no fim de junho, ele foi ao hospital sentindo sintomas leves, como tosse e coriza. Fez o exame PCR e retornou para casa, mas a falta de ar o levou novamente à unidade de saúde. Com o diagnóstico positivo para o novo coronavírus e a oxigenação do sangue oscilando muito, precisou ser intubado. “Eu havia ido para o hospital achando que retornaria para casa logo depois. Comecei a contar até 10 de trás para frente e me lembro apenas de acordar 22 dias depois. Ao todo, foram 65 dias internado”, afirma o morador de Águas Claras. “Acordei com efeitos do remédio e da sedação ainda, sem saber direito o que estava acontecendo. Tinha dias em que não reconhecia meus pais”, relata.
Em 3 de setembro, ele recebeu alta, após pouco mais de dois meses no hospital. Voltou para casa com 12kg a menos e ainda longe de contemplar a vitória sobre a covid-19. “Comecei a fazer fisioterapia respiratória e motora em casa. Depois, foram mais 10 sessões na clínica. O vírus afetou a parte neurológica dos músculos das minhas pernas. Sinto até hoje dormência na ponta dos pés e no calcanhar, o que atrapalha meu equilíbrio ao andar. Faço fisioterapia duas vezes por semana no Hospital Anchieta e reabilitação neurológica no Hospital Sarah, também duas vezes por semana”, enumera.
Em decorrência do longo período que passou deitado na cama do hospital, Rodrigo desenvolveu úlceras por pressão na região do calcanhar e na parte inferior ao cóccix. “Tenho tomado suplementos especiais e feito troca dos curativos semanalmente, já estão quase completamente recuperadas. O importante é que estou vivo”, reflete. “É um vírus novo, ninguém sabe muito sobre ele ainda, e as sequelas são inúmeras. Comecei a ter zumbido no ouvido. Fui ao otorrino e fiz vários exames, mas está tudo normal, deve ser consequência da covid. Também tenho tido dores de cabeça todos os dias, era raro eu ter. Costumava ser uma pessoa calma e, desde que peguei o vírus, tenho tido crises de ansiedade e de pânico, além de insônia, que trato com acupuntura. Hoje, passo mais tempo em clínicas e hospitais do que em casa”, pontua.
Crise de pânico e ansiedade também assombraram a fisioterapeuta Patrícia Souza Oliveira, 38, que trabalha na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Regional de Ceilândia (HRC). “Fui uma das primeiras (pessoas) a ter a doença, da equipe de saúde do hospital. No sábado, 2 de maio, estava no plantão com calafrios e dor no corpo. Fiz sorologia para a dengue e deu negativo. Na quarta-feira, não acordei bem, faço atividade física e, nesse dia, em uma aula pelo zoom, não aguentei cinco minutos, com falta de ar. Comecei a desconfiar que poderia ser covid-19. Aí veio o resultado do exame PCR”, conta a profissional da saúde. “Era tudo muito novo. Fizeram uma tomografia e o resultado mostrou o comprometimento do pulmão de moderado a grave e precisei ficar internada. Foram quatro dias e três noites na UTI que pareceram uma eternidade.”
Para ela, o primeiro dia de internação foi o mais difícil. “Tinha mais cinco pessoas internadas comigo e quatro estavam intubadas. Foi desesperador. Não sabia se a próxima (a ser intubada) seria eu”, recorda Patrícia, que mora em Águas Claras com o marido. “A angústia era maior pelo meu esposo, de não saber se ele estava com a covid-19. Ele é asmático, então eu fiquei bastante preocupada como seria para ele. Depois, quando recebi alta, foi que descobri que ele também teve a doença, mas com sintomas mais leves, como perda do paladar, do olfato e um pouco de falta de ar. Ele manteve o isolamento em casa com o acompanhamento médico à distância”, destaca a fisioterapeuta que, depois de ter alta, apresentou dificuldade para respirar.
Natural do Rio Grande do Sul, passar por esse momento longe da família também teve um impacto na vida de Patrícia. “Tento manter o contato por videochamada, conversar com eles mesmo através de uma tela. Dar conselhos, orientá-los e consolá-los. Quando foi decretada a pandemia, eu estava com eles, era aniversário dos meus pais. E, desde então, não os vejo”, conta. Toda a situação a fez refletir sobre a forma como se relaciona com as pessoas. “Comecei a priorizar mais a família, mesmo distante. Sou muito mais presente agora do que era antes da pandemia, aprendi a valorizar as pequenas coisas.”
Saúde mental
Os efeitos psicológicos de quem enfrentou o novo coronavírus e dos familiares e amigos que perderam alguém pela doença são diversos. A psicóloga Larissa Polejack, professora do curso de psicologia e diretora de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária (Dasu) da Universidade de Brasília (UnB), explica que o medo é um dos sentimentos mais comuns em pacientes com a covid-19. “Qualquer pessoa que recebe o diagnóstico positivo, mesmo que não esteja agravado, experimenta o medo, a ansiedade, porque é uma doença traiçoeira, não a conhecemos bem, e pode se agravar rapidamente”, pontua.
A angústia é frequente para quem fica internado e para os familiares que esperam, com o coração apertado, informações do quadro de saúde. “Nos casos em que a pessoa é intubada, a questão é mais complexa. Ela entra em estado de inconsciência e não sabe o que está acontecendo e, quando retorna, há sensação muito grande de estranhamento, porque não sabe dia, hora nem o que aconteceu”, explica Larissa. “É uma concretização da vulnerabilidade do ser humano, porque experimenta uma quase morte, e o impacto disso é muito grande. A pessoa se sente pequena diante da vida. Mas, por outro lado, há o sentimento de gratidão por ter voltado”, analisa.
A psicóloga chama a atenção para a importância de um olhar mais atento para a saúde mental das pessoas, mesmo no pós-pandemia, com a chegada das vacinas. “Entendo que, desde o início, deveria haver ações de prevenção e promoção para o cuidado com a saúde mental, porque o impacto emocional é muito grande. E, se não cuidarmos, haverá sequelas emocionais depois da pandemia”, destaca Larissa Polejack.
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4.286 mortos
O último boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde, divulgado ontem, resgitrou 797 infecções pelo novo coronavírus e cinco mortes em decorrência da covid-19, no Distrito Federal. Com as ocorrências, a capital soma 252.874 casos da doença e 4.286 óbitos. Entre os pacientes, 66% são considerados recuperados. A taxa de mortalidade do vírus, no DF, é de 1,8%.
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Ajudar como for possível
Um manual de exercícios respiratórios para quem está com falta de ar. Essa foi a maneira que o educador físico e personal trainer Rodrigo Resende (foto), 31 anos, morador do Lago Norte, encontrou para ajudar quem tem ou teve a covid-19. “São exercícios de diafragma, de mobilidade torácica e para o movimento da respiração ficar melhor, que podem ser feitos deitado”, elenca. Rodrigo teve covid-19 entre o fim de novembro e o início de dezembro, de maneira moderada. Não precisou ser internado, mas passou alguns dias sentindo muitas dores no corpo. “Fiquei bem mal, parecia que tinha sido atropelado. Sentia dor atrás dos olhos. Fiquei dois dias de cama, levantava só para o básico, perdi 8kg. E olha que sou atleta! Não tem nada a ver o que dizem que atleta não pega covid”, relata. Ele esclarece que o manual não elimina a necessidade de atendimento médico. Uma página na internet, ainda em construção, disponibilizará o conteúdo, gratuitamente, em e-book.
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