Com o aumento do número de pessoas trabalhando de maneira remota em razão da pandemia, muitos donos de pets também aproveitaram para ficar ainda mais grudados aos animais de estimação. O período prolongado em casa e em isolamento também despertou a vontade em quem não tinha de adotar um bichinho para dividir os dias solitários. No entanto, o excesso de apego com os animais de estimação pode gerar estresses emocionais, tanto para o dono quanto para o animal. É importante ficar atento aos sinais e cuidar da saúde mental de todos os habitantes do lar.
O advogado Filipe Araújo, 30 anos, se mudou de um apartamento em Águas Claras para uma casa em Vicente Pires a fim de oferecer um espaço maior para o animal da família. “No início da pandemia, eu e minha esposa morávamos em apartamento, mas mudamos para uma casa. O cachorro ficava estressado sem poder sair. Na casa, ele tem mais liberdade e isso melhorou a convivência”, afirma. Olaf, 8 meses, da raça dálmata, demonstrou comportamentos de automutilação e agressividade após a diminuição, pelo menos pela metade, dos passeios diários com os donos.
Por enquanto, Filipe trabalha em esquema de revezamento: alguns dias em casa, outros no escritório. Entre os desafios da nova rotina, está a divisão do tempo dedicado ao animal e ao trabalho. “O nível de estresse aumentou consideravelmente. O animal quer atenção, e nós precisamos trabalhar, tudo isso cria uma situação de estresse contínuo. É bem difícil manter a saúde mental”, conta.
A professora Ana Cláudia Benício, 29 anos, mora em Águas Claras e é dona de dois cachorros sem raça definida (SRD), Sansão e Florzinha, ambos têm quatro anos. Ela está em casa desde março e dá aulas on-line. Nos primeiros três meses de isolamento social, ela afirma que o medo de sair às ruas fez com que diminuísse os passeios com os cãezinhos. Cláudia sentiu a mudança de comportamento dos dois. “Eles ficaram muito chateados, começaram a fazer xixi fora do tapete higiênico e nas cortinas da casa. Quando eu, minha mãe e meus irmãos temos que sair todos de casa, eles choram muito, a ponto de faltar derrubar a porta arranhando com as patinhas e latindo muito alto”, conta.
Mesmo dividindo o apartamento com a família, a professora afirma que é a responsável pelos dois bichinhos. É ela quem os levam para passear. “Mesmo quando outras pessoas estão em casa, o Sansão chora bastante, ele ficou com essa dependência também”, disse. Ana Cláudia demonstra preocupação ao retomar a rotina de trabalho. Florzinha tem epilepsia e, de acordo com ela, as crises da cachorrinha diminuíram bastante depois que passou a ficar mais tempo em casa. “Quando ela fica muito ansiosa pode desencadear uma crise e o Sansão arranha tanto a porta que até sangra a patinha”, explica.
Assim como para os seres humanos, a pandemia é um momento difícil para os animais. Por isso, a psicóloga clínica Juliana Gebrim lembra que uma das maneiras de o dono pode lidar melhor com a situação é acolher esses pets. “O animal de estimação não pode estar com a gente só nas horas boas, alegres e de lazer. Esse momento é um momento de acolhimento, de muito carinho com aquele animal que está nos momentos legais, mas que está encontrando dificuldades em função da pandemia”, afirma.
A servidora pública Ana Carolina Dias, 30 anos, está trabalhando em casa desde março. Ela e o marido, Ayslan Menez, 38 anos, abrigam 21 animais resgatados e, em meio à nova rotina, os cães ficaram mal-acostumados com a presença constante da tutora. “Agora, quando preciso sair, eles ficam superagitados. Basta pegar a chave de casa para eles começarem a latir e a fazer bagunça. Quando retorno a casa, a bagunça e sujeira estão piores, é como se fosse um ato de rebeldia. Acho que eles querem dar trabalho e chamar a atenção”, observa.
Apego
O zootecnista e comportamentalista canino Pedro Henrique Mendes chama a atenção para o fato de que muitos cães foram adotados durante o isolamento social e nunca foram apresentados ao mundo externo e a outros cães. De acordo com ele, isso gera estresse ao animal e, consequentemente, uma espécie de síndrome da abstinência da presença humana. “As pessoas acabam descarregando e canalizando frustrações, preocupações e incertezas nos próprios animais”, diz.
A psicóloga Juliana Gebrim confirma que tanto os donos quanto os pets estão mais apegados uns aos outros diante do contexto da pandemia. “Como o dono ficou um pouco mais abalado emocionalmente, teve que ficar mais em casa e gerou essa relação naturalmente mais próxima entre eles”, explica.
Para Pedro Henrique Menses, os pets passaram cerca de seis meses recebendo carinho em excesso, de maneira não equilibrada, o que faz com que os cães percam a referência social do que pode e o que não pode, apresentem possessividade extrema por estar o tempo todo junto e acabem se defendendo com recursos próprios, como a agressividade.
O estresse causado por essa convivência pode levar ainda a queda de pelo, falta de apetite e apatia no animal. Para suprir isso, Pedro recomenda que os donos busquem ajuda de profissionais. “É importante procurar ajuda profissional para tratar desses distúrbios. Existem exercícios mentais que mexem com a questão instintiva, como o faro e a visão do animal. Além disso, o enriquecimento ambiental e brincadeiras lúdicas contribuem para que os cães fiquem menos ansiosos.”
Dicas para amenizar o estresse dos pets:
- Invista em brinquedos interativos para estimular a inteligência do cachorro: bolinhas, pneus, ossos para cães, brincadeiras que façam o animal explorar o faro e a visão;
- Caminhe ao ar livre, de maneira segura;
- Ofereça um lugar para o pet descansar e pestiscos;
- A casa deve contar com um espaço para que ele possa fazer as necessidades;
- Procure creches e ambientes específicos para cães gastarem energia.
Para saber mais
Pets podem levar o vírus da covid-19 para casa?
Apesar da falta de estudos mais aprofundados sobre o tema, o risco de animais contraírem a covid-19 ou de contaminarem seus próprios donos praticamente não existe. No entanto, fique atento aos cuidados com a higiene do seu pet: o vírus pode se hospedar, por exemplo, na coleira, nos objetos e nas patas do animal. Por isso, é recomendável a higienização das patas e do focinho com uma combinação de água e sabão neutro em pano umedecido. Mas essa higienização deveria ser feita habitualmente em todos os animais que vão à rua, independentemente da epidemia. Sobre urina, fezes e saliva, não há nenhum estudo ou evidência científica da transmissão do vírus.
Fonte: Paulo Abílio Lisboa, médico veterinário e pesquisador em saúde pública do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fiocruz (Icict)
*Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer
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