Ubuntu é a filosofia africana que traduz o que é a humanidade. Significa “eu sou o que sou, porque somos todos nós”. Assim como na palavra africana, a yalorixá Mãe Baiana de Oyá acredita que o ano de 2020 trouxe como grande ensinamento o quanto é necessário cuidarmos uns dos outros. “Foi um ano complicado, corrido, a pandemia nos deixou muito assustados. As comunidades tradicionais de matrizes africanas já têm esse ensinamento, e nós aprendemos mais um pouquinho, a olhar para o outro. Nem que seja a distância”, afirma Adna Santos, a Mãe Baiana, uma das principais líderes do candomblé em Brasília e coordenadora de Políticas de Promoção e Proteção da Diversidade Religiosa do Governo do Distrito Federal (GDF).
Este ano não foi nada fácil: marcado por uma pandemia que tirou a vida de mais de 190 mil brasileiros, deixou muitas pessoas sem emprego e as isolou em casa. No entanto, é inegável que foram meses de aprendizado diante do caos, segundo Mãe Baiana. Ela explica que o distanciamento social fez com que a comunidade se mantivesse junta de outras formas. “Não devemos nos separar das pessoas pela distância, a distância também nos une. Devemos continuar com esse ensinamento, mesmo quando a pandemia acabar, nós precisamos estar mais aquilombado, porque o povo de terreiro é assim, a gente se aquilomba”, destaca a yalorixá.
Neste 2020 atípico, Mãe Baiana ressalta que as pessoas precisaram ficar ainda mais unidas para enfrentar as diversidades. “A gente se organizou e buscamos parcerias. Temos gente que trabalha em todo canto. Cada um em sua própria casa. Fizemos cestas básicas para o pessoal do terreiro e para distribuir para a comunidade. Um ajudando o outro. E assim a gente faz. O povo de terreiro trabalha assim. A gente não bate na porta do governo, porque sabemos que sempre vamos receber um não”, comenta.
A religiosa aproveita para enfatizar a necessidade de serem cumpridas as medidas de segurança contra a covid-19. “A gente está fazendo o distanciamento. Estamos atendendo, mas só dois a cada dia. Eu, até hoje, só soube de duas pessoas de terreiro que tiveram covid-19. Estamos segurando a mão do orixá para não vermos nosso povo com essa doença, porque ela é muito perigosa”, afirma.
Para o ano que está chegando, Mãe Baiana destaca que é preciso resiliência para não se deixar abater pelas dificuldades passadas. “Vamos nos animar. Infelizmente, perdemos muitos dos nossos. Eu perdi minha mãe e minha irmã, foi uma coisa em cima da outra. Nós ficamos debilitados devido à perda das pessoas. Foram muitas. Mas, não vamos desanimar. Vamos pegar na mão um do outro, erguer nossas cabeças, vamos rezar, pedir a Deus e aos nossos orixás que continuem nos protegendo”, diz.
Conheça
O candomblé é uma religião de matriz africana que foi trazida ao Brasil pelos povos africanos escravizados, a partir do século 16, e é uma das raízes da Umbanda, culto que tem origem brasileira e surgiu do sincretismo dos orixás candomblecistas com o catolicismo.
O presidente da Federação de Umbanda e Candomblé, Rafael Moreira, explica que, ao desembarcar no Brasil, o candomblé passou por mudanças. “Nós brasileiros não falamos a linguagem iorubá, então, automaticamente, foram feitas algumas adaptações”, afirma. Isso inclui desde a quantidade de orixás cultuados, que nos países africanos passa de 120, e, aqui, são 21 celebrados.
Cada terreiro tem um representante de cada orixá que se manifesta em iorubá por meio de um médium em dias de festividade e celebração. “O candomblé traz, primeiramente, a fé, o amor ao próximo e a lealdade ao orixá”, detalha Moreira. É por meio de uma consulta aos búzios que é revelado aos frequentadores qual o orixá que o rege.
Diferentemente da umbanda, no candomblé apenas os orixás são cultuados, e não há a figura de entidades, como o Preto Velho e a Pomba-Gira. O contato com o orixá é intermediado pela incorporação dos médiuns.