O ônibus da Samdu Sul, em Taguatinga, que me deixa no jornal, vai passar em 15 minutos. Termino rápido o almoço e despeço-me da minha companheira. Ela faz questão de ir comigo até a parada.
No caminho, conto sobre meus novos colegas: o motorista e cobrador. Amizade surpreendente de 2020, ano em que andar de ônibus ficou mais arriscado, não pelos assaltos, mas pela pandemia. Jornalista também é linha de frente nessa guerra. Baú, álcool em gel, máscara e missão dada: prestar serviço à população e pagar as contas no fim do mês. Mas, neste caso, muito mais linha de frente são o motorista e o cobrador.
A regra é conversar o mínimo com o condutor. Mas, alguns passageiros que sentam nos primeiros assentos fazem-me conhecer o motorista. Interajo pouco, mais escuto um diálogo e outro. Ele sempre trata bem a todos, simpatia em pessoa. O cobrador é mais contido, bem na dele, mas também é atencioso.
Dia após dia, encontro o motorista e o cobrador. Estamos, aparentemente, de bem com a vida, indo para o trabalho (ainda temos um ). Estamos cumprindo nossa missão para o bem comum, para que todos sigam em meio ao caos. É o que faz seguirmos em frente, além dos malditos boletos a pagar.
A viagem no coletivo é um dos poucos momentos do dia em que eu realmente consigo esquecer do tempo e viajar em meio à pandemia. Refletir a vida, seja olhando pela janela, seja ouvindo conversas dos outros.
Dias atrás, estava de folga. Retornei numa quarta-feira. O motorista sentiu falta. “Ué, passei aqui na parada e você não estava, estranhei”. Algumas pessoas próximas já sabem deles. Quando falo que vou trabalhar, às vezes digo que vou pegar uma carona com uns amigos. O ônibus fica vazio, fora do horário de pico. É quase uma carona, se não fosse a passagem a R$ 5,50.
A volta para casa, geralmente tarde, é com o pessoal do aplicativo. Alguns já até me conhecem, após várias viagens. Conversamos sobre as melhores tarifas e dinâmicas dos apps, e, às vezes, sobre vida em família. Um deles estava feliz em ter conseguido viajar com a esposa e filhos, numa curta semana de férias para aliviar o stress pandêmico. Ele gosta bastante de camarão, disse que tinha comido na viagem. No meio do caminho de volta pra casa, eu pedi para ele parar em um mercado 24 h, só para eu comprar camarão, já que minhas férias estavam longe de chegar.
Que esta humilde crônica seja minha lembrança de fim de ano para vocês durante a pandemia. A atenção e empatia de vocês me fazem bem. O meu muito obrigado a todos, heróis anônimos. E boas festas.