AUDIOVISUAL

Críticas políticas e sociais dão o tom do festival de cinema; confira ganhadores

O 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro chegou ao fim, ontem, com a premiação de diversas produções. A crítica política e social deu o tom à celebração do audiovisual nacional

O peso da tradição, o valor da preservação da memória e, claro, o habitual espectro político deram o norte à diferenciada premiação do 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Longe de transcorrer no habitual abrigo do Cine Brasília, devido à pandemia, o evento se fez com acessos virtuais e interações de mais de 10 mil pessoas, ao longo de seis dias de mostra competitiva. Em grande parte dos vencedores, entre filmes de longas e curtas durações, houve pendor para conteúdos e formas que exaltassem a identidade brasileira, reafirmada em fitas que celebram negros, marginalizados e alguns agentes culturais imantados pelo alento da comicidade.

Estabelecida uma premiação enxuta para os longas-metragens da mostra competitiva, títulos atentos aos elementos verde-e-amarelos do Brasil deram as caras. Apoiado na mitológica figura indígena de um ser deificado, Por onde anda Makunaíma? (de Rodrigo Séllos) faturou o prêmio Candango de melhor filme. O júri, capitaneado pela atriz Ana Maria Magalhães, ressaltou a premiação de um filme com registro da identidade fragmentária atribuída ao brasileiro, isso em uma conjuntura em que muitos teimam a “desconstrução de valores culturais e artísticos nacionais”.

Com exaltação do caráter de um cinema popular, a divertida aventura de Mario Abbade em torno da vida e da obra do cineasta Ivan Cardoso rendeu ao longa Ivan, o TerrirVel o prêmio especial do júri formado, ainda, pelo pesquisador de cinema Joel Zito Araújo e pela curadora de mostras e festivais Ilda Santiago. Na valorização da montagem “fluida e orgânica” de um filme, o trio optou por ceder o prêmio especial de montagem ao filme A luz de Mario Carneiro (de Betse de Paula). No longa, um dos profissionais da maior importância para o Cinema Novo tem justa homenagem, diante da capacidade da direção de fotografia para obras de realizadores como Glauber Rocha, Paulo César Saraceni e Joaquim Pedro de Andrade. Este ano, na mostra oficial, não houve premiação para melhor diretor.

Um feito

Organizado em menos de 75 dias, o festival teve a premiação, que começou com mais de 40 minutos de atraso, prestigiada no YouTube por cerca de 180 pessoas. Secretário de Cultura e Economia Criativa, Bartolomeu Rodrigues comentou na celebração do evento, a realização de um “festival possível, com pandemia e tudo”. Considerado a alma do Festival de Brasília 2020, o cineasta, curador e diretor artístico Silvio Tendler conquistou um dos troféus especiais, honraria estendida ao fotógrafo e professor Luis Humberto, que “por quase 60 anos, se dedicou a revelar (em imagens) os mistérios do cerrado”. Ainda no campo da memória, a figura da atriz Nicette Bruno, levada pela pandemia trágica (morta no último domingo), foi reverenciada.

O secretário de Cultura ressaltou, no evento, a importância e a necessidade de “o cinema sobreviver”. Presente na cerimônia de premiação virtual, a atriz Catarina Accioly mencionou a veia do festival como “caldeirão da maior vitrine política”. Foi, praticamente, o prólogo para a entrada em cena da “indígena, cineasta e mulher”, como foi apresentada Graciela Guarani ao proceder a leitura da Carta de Brasília, recheada pela representatividade de mais de 300 profissionais do setor audiovisual.

Valorização

No momento mais significativo do evento, Graciela lembrou do potencial da cultura, “alvo de descaso” na atualidade. Exemplificado pela situação da Cinemateca Brasileira, “com cadeado na porta da instituição”, uma metáfora para a “memória cinematográfica sequestrada”, Graciela contou da crise de saúde pública e alinhavou o discurso com o “desmatamento cultural” observado pelo consagrado diretor Cacá Diegues. Claro que a carta vem permeada por reivindicações: exalta a necessidade de articulação política da classe; pretende travar o desmantelo, atual, na política de fomento de produções; pleiteia, para até 2030, a obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais nos complexos de cinema; e trata de quesitos como o desaparelhamento ideológico da Ancine (a Agência Nacional do Cinema, nitidamente travada pela atual burocracia governamental) e a necessidade de haver paridade de gêneros nos futuros editais públicos a serem formatados.

Viabilizado pela exibição dos concorrentes no Canal Brasil, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro referendou a marca da emissora a cabo, com o pronunciamento do prêmio Canal Brasil concedido ao curta do catarinense Rodrigo Ribeiro, autor de A morte branca do feiticeiro negro, votado como o melhor. Pelo júri oficial, Rodrigo Ribeiro faturou o título de melhor diretor de curta-metragem. Entre os filmes votados pelo público, na categoria júri popular, recaíram prêmios para as obras Longe do paraíso (longa do diretor baiano Orlando Senna) e para o curta Noite de seresta (de Muniz Filho e Sávio Fernandes).

No âmbito da Mostra Brasília, o longa escolhido foi Candango: Memórias do Festival (consagrado como melhor filme, pelo júri oficial, levando ainda o prêmio destinado à preservação da memória Marco Antônio Guimarães) e Eric, curta-metragem documental de Letícia Castanheira. Seis prêmios foram alinhavados pelo júri da Mostra Brasília, com destaque para o melhor curta, Do outro lado (de David Murad), e para a direção de Letícia Castanheira. Diretor consagrado (ao lado do colega Orlando Senna) pelo Festival de Brasília, pela autoria de Iracema, uma transa amazônica (1980), Jorge Bodanzky conquistou troféu Candango (num prêmio especial), pelo novo documentário Utopia Distopia.

Em edição fortemente marcada pelos documentários, o evento encontrou uma sintonia fina, na análise do jornalista Carlos Marcelo (um dos jurados dos curtas-metragens) que conceituou a premiação, numa arena que mexeu “com cicatrizes de um passado colonial”, não ecoou “panfletarismo” e retratou parte do “pesadelo contemporâneo vivenciado no país”. Exaltado pelo júri da Abraccine (que encerra a crítica de cinema no país), o curta República (de Garce Passô), um tratado sobre a falta de unanimidade do governo em meio à pandemia, num futuro de incertezas, faturou melhor filme, pelo júri oficial. Os indígenas foram lembrados no protagonismo de A tradicional família brasileira Katu (prêmio especial).

Confira os vencedores

Principais prêmios da 53a edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

Mostra Oficial de Longa-Metragem
Melhor filme: Por onde anda Makunaíma? (de Rodrigo Séllos)
Prêmio especial do júri: Ivan, O TerrirVel (de Mario Abbade)
Prêmio especial pela montagem: A luz de Mario Carneiro
(de Betse de Paula)

Mostra Oficial de Curta-Metragem
Melhor filme: República (de Grace Passô)
Melhor direção: Rodrigo Ribeiro (A morte branca do feiticeiro negro)
Melhores atuações: Maya e Rosana Stavis (Pausa para o café)

Júri popular
Melhor longa-metragem: Longe do paraíso (de Orlando Senna)
Melhor curta-metragem: Noite de seresta
(de Muniz Filho e Sávio Fernandes)

Mostra Brasília
Melhor longa-metragem: Candango: Memórias do Festival
(de Lino Meireles)
Melhor curta-metragem: Do outro lado (de David Murad)
Melhor direção: Letícia Castanheira (Eric)

Prêmio Abraccine
(Associação Brasileira de Críticos de Cinema)
Melhor curta-metragem: República (de Grace Passô)
Melhor longa-metragem: Entre nós talvez estejam multidões
(de Aiano Bemfica e Pedro Maia)

Prêmio Canal Brasil de Curtas
A morte branca do feiticeiro negro
(de Rodrigo Ribeiro)