Osmar não conseguia acreditar. Como pudera ser tão distraído e ir falar com o deputado vestindo a camiseta preta do Iron Maiden e a bermuda azul clara, a mais confortável do guarda-roupas? Só se deu conta que dirigira até o Congresso Nacional trajando o indefectível uniforme do home office quando já estava à porta do gabinete. Ainda teve tempo de olhar para os pés e ver as Havaianas brancas, com bandeirinha do Brasil nas tiras, e ficar ainda mais desesperado. Pensou em dar meia-volta e fugir, inventar uma desculpa depois, mas o deputado o chamou: “Pode entrar, Osmar”.
Tentou culpar os outros pela distração. Por que a mulher não perguntara se ele estava mesmo indo ao trabalho para alertá-lo sobre seus trajes? Onde é que estava a cabeça dos seguranças, sempre tão controladores do decoro dos que entram no prédio? Não deviam tê-lo barrado? Não havia ninguém, meu Deus, que pudesse ter evitado aquela tragédia que estava prestes a se abater sobre ele? Aquilo era pior do que um nu acidental numa reunião on-line, pensou, aflito.
O que o deputado diria? Osmar perderia o cargo alcançado depois de anos de dedicação na comissão? Elaborou, num átimo de segundo, dois planos. O primeiro, colocou em prática imediatamente. Entrou andando-correndo no gabinete e se sentou na cadeira disposta em frente à mesa de trabalho do deputado. Talvez o parlamentar não reparasse na bermuda e no chinelo e relevasse a camiseta da caveira Eddie segurando uma cabeça decapitada. Se não desse certo a primeira tentativa, começaria a falar coisas sem sentido, até que o encaminhassem ao serviço médico. Lá, convenceria os especialistas de que estava sob forte estresse na quarentena, o que explicaria a inadequação de suas vestes.
Um momentâneo alívio surgiu quando o deputado começou a falar normalmente com Osmar. “Chamei você aqui...”, começou a autoridade, sem notar que a cabeça do assessor estava longe, elaborando o plano de fuga. Como se levantar, dar as costas ao deputado e sair sem que ele visse a bermuda azul e as chinelas brancas? As pernas, mais brancas do que as sandálias, porque havia meses estavam privadas de sol, certamente chamariam a atenção do chefe. Talvez o melhor fosse, terminada a reunião, virar-se e sair como quem não fez nada de errado. E, caso seu nome fosse chamado, ignorar, continuar andando, fingindo momentânea e estranha surdez.
O deputado, porém, decidiu se levantar e caminhar enquanto falava. Ele nunca fazia isso. “Ninguém nunca faz isso”, pensou, em desespero, Osmar. “Isso é coisa de filme americano, de peça de teatro. Ninguém se levanta e continua a falar andando de um lado para o outro, como se estivesse declamando algo para uma plateia. Só fazemos isso quando estamos no telefone, caramba”, raciocinou, enquanto, praticamente, se ajoelhava no chão para se esconder detrás da mesa e impedir que o novo ângulo de visão do deputado levasse à descoberta da bermuda.
Mas, aí, o que sempre fora inevitável aconteceu. O parlamentar parou e arregalou os olhos, mirando claramente as pernas descobertas de Osmar. “O senhor está de bermuda?”, perguntou. E Osmar acordou. Olhou ao redor, reconheceu a janela, o armário do quarto, o quadro na parede. Respirou aliviado, lembrou-se de que era sábado e, depois, dos sonhos tão frequentes na época do segundo grau, nos quais se via andando nu pelos corredores do Colégio Alvorada. “Essa pandemia está deixando a gente louco”, pensou, enquanto ajeitava o travesseiro e voltava a dormir, esperando um sonho melhor desta vez.