HISTÓRIA

Professor desenvolve projeto que identifica os baobás do DF

Professor do DF André Lúcio Bento desenvolve projeto em que identifica os baobás existentes na capital. Essas árvores, que são símbolos culturais do continente africano, geram flores que têm um desabrochar súbito e somem em menos de 24 horas

Poucos elementos conseguem trazer — ao mesmo tempo — uma força milenar, carregada de resistência e robustez, com uma leveza bela e cultural, capaz de transcender ao plano religioso. Essas características, tão presentes na história do povo do continente africano, fazem parte de um símbolo dessa população, o baobá. A árvore de extrema riqueza natural tem grande importância para a cultura negra, tanto que escravos trouxeram sementes de baobá escondidas nos navios negreiros e cultivaram-nas no Brasil. O solo da capital federal abriga alguns desses monumentos naturais, e um morador de Brasília se encarregou de mapear tais árvores a fim de resgatar o significado dos baobás.

André Lúcio Bento é professor, especialista em cultura afro-brasileira e africana e doutor em linguística. A missão de catalogar os baobás do Distrito Federal começou recentemente, e ele encontrou 44 árvores, contando com ajuda de outros moradores da capital que se empolgam com esse trabalho. O esforço se explica pelos “significados múltiplos” dos baobás, como André detalha. “São árvores fundamentais para as culturas tradicionais africanas. Do ponto de vista místico, elas são sagradas, chegando a ser divindades para algumas religiões. Na cosmovisão geral, elas são uma espécie de origem de tudo. Culturalmente, embaixo delas são feitas atividades artísticas, políticas, são criados palcos para os mestres griôs e contadores de histórias, que reúnem os mais novos e passam a cultura de geração em geração. Ou seja, é o resgate da ancestralidade, da memória dos povos pretos”, sintetiza.

O professor brinca que se sente como criança quando encontra um baobá desconhecido. Contempla, tira foto, registra e publica nas redes sociais. O trabalho de identificação das árvores do DF incentivou moradores de outros locais do país a fazer o mesmo. “Pessoas de estados que não tinham registro de baobás começaram a realizar esse levantamento. O que fizemos, em Brasília, surtiu efeito em São Paulo, Maranhão, Sergipe, Paraíba, Minas Gerais”, celebra. Na capital, eles estão espalhados pela Asa Norte, Brazlândia e Taguatinga, por exemplo. As localizações exatas podem ser vistas no projeto que André divulga hoje, o Mapa dos Baobás do Distrito Federal. “À medida que mais árvores forem descobertas, vamos alimentando o site com as informações. Ele é importante para o processo cultural. As pessoas podem conhecer, e as escolas podem estimular os alunos a acessarem o mapa, para trazer esses ensinamentos”, aconselha.

 


Riqueza preta

Admirar um baobá é uma experiência que permite um outro olhar sobre culturas que foram marginalizadas na história. “O Brasil foi o maior destino da perversa diáspora negra, então, ter baobás, aqui, significa resistência e, ainda, representa futuro, porque é uma oportunidade de conhecer mais a África, entender que não é só um continente de pobreza, violência. Lá se produz cultura, ciência. O baobá traz conhecimentos”, pontua. Até mesmo a própria história da construção da capital pode ter relação com essas representações presentes, como ele observa. “A maioria dos candangos era de origem pobre e negra. Trazendo o resgate dessa epopeia que foi a construção de Brasília, a vinda dos baobás também simboliza essa força e necessidade de se erguer algo novo, como foi feito aqui”, defende o professor.

Também há riqueza física nessas árvores. Alguns espécimes no continente africano têm mais de 3 mil anos de idade. “Elas são altas, têm circunferências de tronco muito grandes. E, dela se aproveita tudo. As folhas são comestíveis, são refogadas e torradas como tira gosto. As sementes também podem ser consumidas torradas. O fruto é muito rico em vitamina C e cálcio e pode ser consumido puro, na forma de mingau ou como suco, misturado com outras frutas. E, o tronco é uma reserva de água consumível”, detalha André. Uma curiosidade é em relação à flor do baobá. Rara, tem, em média, 20cm, nasce de cabeça para baixo e desabrocha de forma instantânea. A beleza dela só pode ser vista por um dia, uma vez que a flor não dura muito mais do que 24 horas.

Tombamento

O próximo passo de André é concluir o mapeamento com um relatório. “Quero entregar à Secretaria de Meio Ambiente e aos demais órgãos ambientais para pedir providências de preservação e para a informação da população, já que não pode haver uma proliferação indiscriminada dos baobás, pois eles são exóticos”, alerta. Outro sonho de André como professor, pesquisador, admirador e homem negro é ver esse patrimônio do DF tombado. “Isso ocorreu em Recife e permite cuidados maiores, como em relação à poda, à inclusão de uma placa com os detalhes: nome científico, data de plantio. O tombamento eleva a uma categoria de preservação maior, que permite o reconhecimento necessário”, conclui.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - André Lúcio: "São árvores fundamentais para as culturas tradicionais africanas. Do ponto de vista místico, elas são sagradas, chegando a ser divindades para algumas religiões"
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Professor Andre Lucio Bento, que cataloga as arvores Baobas em Brasilia
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Rota dos Baobas em Brasilia. Professor Andre Lucio Bento, que cataloga as arvores Baobas em Brasilia.
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Rota dos Baobas em Brasilia. Professor Andre Lucio Bento, que cataloga as arvores Baobas em Brasilia.
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Rota dos Baobas em Brasilia. Professor Andre Lucio Bento, que cataloga as arvores Baobas em Brasilia.
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Rota dos Baobas em Brasilia. Professor Andre Lucio Bento, que cataloga as arvores Baobas em Brasilia.