Quando se trata de assuntos da Igreja, Dom Paulo Cezar Costa guarda sempre o espírito de prontidão para aceitar desafios. “Eu nunca disse “não” para a Igreja, então eu disse “sim”. Foi dessa maneira que ele explicou o pedido que recebeu do papa Francisco para atuar como arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Brasília. Dom Paulo assume hoje a nova função às 10h30, em cerimônia na Catedral de Brasília, monumento até há pouco nunca visitado pelo religioso natural de Valença (RJ).
É a partir dos ensinamentos de Francisco que Dom Paulo pretende nortear sua missão na capital federal. O novo arcebispo de Brasília está disposto a estabelecer o diálogo com todos os atores, poderosos ou não, particularmente em uma cidade — e um país — marcado pela intolerância e pela polarização.
O extenso trabalho paroquial e a experiência na preparação da Jornada Mundial da Juventude conferem a Dom Paulo uma sólida determinação de reforçar o papel evangelizador da igreja. “Sou um homem que gosta de ir às comunidades para encontrar com as pessoas. Esse é meu estilo”, conta. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.
Qual a expectativa em relação a Brasília?
É muito positiva. Estou vindo de São Carlos (SP). Doei a vida lá quatro anos e quatro meses, como bispo. Buscamos construir uma igreja evangelizadora, missionária, construímos uma cúria nova. E o papa Francisco me pediu para vir ser arcebispo nesta igreja. Eu conhecia Brasília de reuniões burocráticas, de Igreja. Eu nunca disse “não” para a Igreja, então eu disse “sim”. Comecei a rezar por esta igreja, comecei a amar esta cidade. Venho com a disposição de encontrar a cidade, as paróquias, as pastorais, os movimentos. Venho, também, com a disposição de encontrar os Poderes, os homens e mulheres de decisão desta cidade, de estabelecer o diálogo com eles. É claro que trago inquietações no coração: o desejo de tornar a igreja de Brasília cada vez mais missionária, evangelizadora, como tem pedido o papa Francisco. Uma igreja que vai ao encontro das periferias humanas, das periferias existenciais. Uma igreja que assiste os pobres, os necessitados. E uma igreja que estabelece um diálogo com os Poderes constituídos, isto é, que constroi aquilo que o papa Francisco chama de “cultura do encontro”.
O senhor escreveu uma carta aos fiéis de Brasília, tratando exatamente da “cultura do encontro”. O que significa isso?
É a capacidade de diálogo dos diversos atores da sociedade. Papa Francisco crê que este é o caminho da sociedade. Por meio do diálogo, a sociedade é capaz de encontrar soluções para seus pequenos e grandes problemas. Papa Francisco acredita que o caminho da vida da sociedade é o caminho do diálogo. O diálogo é difícil. É sempre um desafio.
Está difícil obter um diálogo em Brasília e no Brasil neste momento?
Acho que é um desafio no Brasil e em Brasília neste momento. É preciso criar as condições para o diálogo. Por detrás das instituições, existem pessoas. Pessoas que precisam ser acolhidas, encontradas, amadas. Criando condições, encontrando as pessoas, estabelecendo algum tipo de relacionamento com as pessoas, é possível estabelecer diálogo. E, a partir daí, tratar dos pequenos e grandes problemas, seja a vida da socidade, seja a vida da igreja. Creio que o grande desafio seja criar as condições para o diálogo em uma sociedade polarizada, em uma sociedade onde o outro, às vezes, é visto como inimigo, é visto como rival. O grande desafio é mostrar que somos irmãos.
Há uma certa reprodução do momento de Cristo, não? Quando ele chega, ele prega o diálogo, mas é visto como inimigo e acaba na cruz. O senhor vê um paralelismo, ou o momento é outro?
Vejo um paralelismo, sim. Nem sempre somos compreendidos nesse caminho – como aconteceu com Jesus. Jesus anunciou o bem, fez o bem, propôs o bem. E foi morto na cruz. Agora, o homem de Deus tem de se propor a uma medida alta. Tem de olhar para o Cristo crucificado e propor uma medida alta. Porque ele tem uma visão alta do outro e da outra. Ele olha para cada pessoa humana e percebe que ali está um irmão, uma irmã. Um irmão que pensa diferente, que tem as suas particularidades. Mas, ele tem sempre de perceber que é possível acolher o outro, construir algo com o outro, propor algo ao outro. É a cultura do diálogo, que parte sempre do pressuposto de que existe um ser humano, alguém pensante do outro lado, alguém que quer ser encontrado, acolhido, amado. O diálogo sempre parte de um pressuposto positivo e alto, seja da pessoa, seja das instituições.
O senhor chega a Brasília em um momento difícil, com o país polarizado. Como propor o diálogo quando as próprias lideranças estimulam o confronto?
Nossa geração não tem de ter medo de propor algo diferente à vida da sociedade. Chegou-se a um momento em que é preciso buscar caminhos novos, caminhos à altura da grandeza da dignidade do ser humano, de respeito às instituições. E esse caminho é o do diálogo. É um desafio? Sim. Nos últimos dias, o papa Francisco teve a coragem de escrever um documento chamado Fratelli tutti. Quer dizer, somos todos irmãos. Nossa geração deve à sociedade um caminho novo. É preciso começar a construir algo novo entre as religiões, em que a outra religião não é rival da minha. A outra religião faz o seu caminho, eu faço o meu. Mas, há tantas coisas que podem fazer juntas... E é preciso que a sociedade e Poderes políticos percebam que o adversário, o outro, a outra, não é rival. É alguém que está concorrendo comigo, que tem uma outra proposta, mas é alguém ao qual eu tenho de respeitar. O outro é sagrado. Se nós perdermos essa medida alta do ser humano, se nós perdermos essa medida alta para as instituições, nós vamos caminhando cada vez mais para o conflito, para a polarização, para a violência. Vamos construindo uma sociedade de inimigos.
A igreja está mais participativa em relação à política, mais próxima, ou com um distanciamento necessário nesse diálogo?
A igreja, cada vez mais, envolve-se com a vida da sociedade. Eu diria que o Concílio Vaticano II, nesse sentido, colocou a igreja na modernidade. A igreja está mais próxima da vida, dos problemas da sociedade. Está mais próxima das pessoas. Um dos grandes problemas da vida da sociedade é que as instituições se distanciaram cada vez mais da vida do povo e dos problemas que tocam o ser humano no dia a dia. Isso não pode acontecer com a igreja. Eu insisto muito numa igreja da proximidade; o papa Francisco, também. Ele fala muito em “pastores com cheiro de ovelhas”. Quer dizer, pastores no meio do seu povo, pastores que escutam as dores, as angústias, as alegrias do seu povo.
Esse posicionamento do papa Francisco foi uma autocrítica à Igreja.
Sim. E a igreja precisa estar constantemente fazendo autocrítica, nesse sentido. Em uma sociedade onde todo mundo vai se afastando da vida do povo, a igreja é uma instituição que não pode fazer isso.
O ano de 2020 tem sido de grande provação não só para o mundo, mas, particularmente, para o Brasil. O que a pandemia nos ensina do ponto de vista religioso?
Todo tempo de crise deve ser, também, um tempo de conversão. Tempo de conversão pessoal, tempo de conversão social. De repente, todo mundo se viu jogado em casa. De um momento para o outro, o isolamento colocou todo mundo em casa. Isso trouxe crises, porque as pessoas viviam no corre-corre do dia a dia. De repente, elas tiveram que reaprender a conviver, a reinventar a vida familiar. Nesse sentido, a pandemia fez nos encontrarmos de novo. Fez com que a família — aquilo que Paulo VI chama de “igreja doméstica” — também se encontrasse. As pessoas iam à igreja, mas começaram a rezar em casa. Começaram a participar das celebrações em casa.
Mas, isso também contribuiu para aumentar ou aflorar tensões que já estavam latentes na família, como a violência.
Sim. A pandemia trouxe muitos problemas nesse sentido. Mas, também, fez com que as pessoas reaprendessem a conviver e a se reencontrar. Muitos problemas que já estavam se desenvolvendo vieram à tona. Teve seu aspecto negativo e positivo.
E como a pandemia afetou a igreja?
A pandemia adiantou processos na própria igreja. Por exemplo: a questão do uso das mídias sociais, da transmissão das celebrações. A igreja, de repente, descobriu uma forma nova de entrar na casa das famílias, de estar presente na vida das pessoas. De um momento para outro, os padres se viram nas igrejas vazias, celebrando sozinhos, transmitindo a celebração através das mídias sociais. A pandemia adiantou um processo, fez com que a igreja se lançasse em uma nova forma de atingir as pessoas, de dar assistência espiritual às pessoas. Padres fazem lives, rezam com as pessoas, muita gente participa...
A igreja pretende sistematizar isso em 2021 ou parte da iniciativa de cada paróquia?
Toda paróquia hoje faz isso. A paróquia que não faz isso está renunciando a assistir espiritualmente o seu povo, a se comunicar, a falar. De onde eu venho, todas as paróquias fazem. Acho que aqui também. É um processo que veio para ficar. Onde o evangelho atinge tanta gente que não participa da comunidade presencial. A pandemia trouxe também uma grande rede de solidariedade. Há tanta gente passando necessidade, tanta gente perdeu o emprego... Graças a Deus as paróquias têm ajudado na coleta de alimento, entrega de cestas básicas. Isso já acontecia, mas se tornou mais presente. A igreja, também, tem um papel fundamental nesse tempo de pandemia, no sentido de assistir às pessoas.
Qual foi o momento mais marcante para o senhor nesse período da pandemia?
O momento mais difícil foi quando nos deparamos com as igrejas vazias. Não estávamos acostumados a isso. A gente sempre chegava à igreja, e a igreja estava lotada, com o povo cantando, rezando. Nosso trabalho é com o povo. A paróquia gira em torno da vida do povo. E, de repente, todo mundo se viu sozinho. Aquela imagem do papa Francisco subindo, sozinho, a Praça de São Pedro foi um grande ícone do que a sociedade estava vivendo. E do que estava por vir. Todo mundo sozinho, isolado. Para mim, foi o momento mais difícil.
O senhor viu fiéis, ou colegas, doentes?
Vi. A pandemia impactou padres, fiéis, todo mundo. Todo mundo se viu com medo, sozinho. É um momento em que nós estamos acostumados com a vida planejada. A modernidade trouxe a vida programada. E de repente, de um dia para o outro, não tinha mais o que programar. Aquilo que você tem nas mãos, você deixa de ter. Foi o momento mais difícil.
A sociedade brasileira mostrou ter muita dificuldade em seguir o isolamento. O brasileiro tem dificuldade em ser solidário? Está muito egoísta, principalmente em uma situação como essa?
O povo brasileiro é muito bom, muito dado. O povo europeu é mais hard. Nós, pela própria realidade cultural, somos um povo alegre, expansivo. E tudo isso impacta, também, no uso da máscara, na questão da proteção. As pessoas não se deram conta, ainda, da gravidade da pandemia. Um dia eu fui celebrar em São Carlos, numa capela, e tinha uma lagoa perto. E estava todo mundo lá na lagoa, sem máscara, sem proteção, sem distanciamento. E você se pergunta: o povo está brincando? Acho que falta, talvez, esclarecimento. Eu morei na Europa cinco anos. O povo é disciplinado, o que não é da nossa cultura. A nossa cultura não tem essa disciplina que tem a cultura europeias. Eu acho que o povo não faz por maldade. Uma sociedade se desenvolve com a educação de seu povo. Esse é o grande desafio do Brasil
Mas, há lideranças que insistem em negar a gravidade da situação. Isso contribui para que as pessoas se sintam ainda mais à vontade?
Eu não creio que tenha tanto impacto. Você liga a televisão, todo mundo está falando de máscara. O que falta é: as pessoas não internalizaram ainda que o vírus é uma ameaça. Ele pode afetar a minha vida, a vida da minha família. Parece que as pessoas não se conscientizaram disso, e por uma questão cultural. É claro que temos de nos pautar pela ciência, pelas decisões que provêm dos níveis governamentais, mas sempre fundamentados na melhor ciência. Não há outro caminho. A sociedade precisa se proteger. Nós precisamos ser responsáveis nesse momento, pela manutenção da vida.
Como é seu estilo de trabalho? O senhor irá às comunidades para encontrar as pessoas?
Eu sou um homem que gosta de ir às comunidades para encontrar com as pessoas. Esse é meu estilo. Eu gosto de ver os rostos, de ver a alegria das pessoas. Nós também teremos os momentos de atendimento, aqui, com o devido distanciamento, com as igrejas com 30% (de ocupação), com todo mundo usando máscara durante esse tempo de pandemia. Mas, depois que ela passar, eu, com certeza, intensificarei essa agenda de visitar as paróquias, de encontrar as pessoas, as pastorais, os movimentos. Eu pretendo também encontrar os Poderes decisórios da República para estabelecer um diálogo.
Gostaria que o senhor contasse um pouco da sua história na igreja. Como foi sua chegada, o início de tudo?
Eu sou de Valença, uma cidade no sul do estado do Rio, e a primeira vez que eu falei em ser padre eu tinha 9 anos. Com 16 anos, eu fui para o seminário e estudei o segundo grau em Petrópolis, onde também fiz um curso de filosofia. Depois, fui mandado para o Rio de Janeiro, onde estudei teologia. Aos 25 anos, fui ordenado padre e trabalhei um ano como paroquial em Paraíba do Sul. Por dois anos e meio eu fiquei em Vassouras, uma cidade universitária. Após esse tempo, morei cinco anos em Roma, onde fiz meu mestrado e doutorado em teologia. Em 2001, voltei para o Brasil já contratado pela PUC-Rio, onde eu trabalhei como professor até 2016. Também fui coordenador de graduação e de pós-graduação, e diretor do departamento por dois mandatos. Durante meu tempo lá, eu tive uma vida acadêmica intensa, mas, também, pregava na paróquia em Valença, e cheguei a dirigir um seminário em Nova Iguaçu entre os anos de 2007 a 2010. No final de 2010, fui eleito bispo e ordenado em 5 de fevereiro de 2011, mas não deixei de lecionar, graças à permissão do bispo Dom Orani Tempesta. Também fui um dos coordenadores da Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Na cidade, eu era o bispo animador de algumas pastorais. Também era responsável por representar os bispos na Universidade Católica e ia às favelas para ver a realidade dos locais. Infelizmente, o Rio é uma cidade que tem muita violência, ainda, em certas regiões que são dominadas pelo tráfico ou pelas milícias.
Vindo para Brasília, o senhor acha que tem como alertar o poder público para a situação de violência que as comunidades vivem?
Você pode ter certeza de que eu vou ao encontro dessas periferias e vou alertar, sim. Eu acho que o bispo tem um papel social de olhar pelo bem do seu povo. Esse é o papel de um bispo. Portanto, irei, sim, bater às portas dos Poderes públicos dizendo que, em certas realidades, algo precisa ser feito para o benefício do nosso povo.
Como o senhor vê essa relação entre religião (ou líderes religiosos) com a política? Essa convivência religiosa e poder público?
A Igreja Católica não se envolve com a política partidária. Ela quer que seus leigos e leigas se envolvam com a política, mas a Igreja pede que os homens de decisão, os bispos, os padres, não se envolvam. Nós estabelecemos diálogo com os Poderes, com aqueles que foram eleitos democraticamente, para garantir o bem do povo e a liberdade da igreja e de outras religiões de exercerem seus cultos e atividades. Nós não queremos privilégio nenhum dos Poderes públicos.
Como é olhar para a Catedral de Brasília agora?
Eu nunca tinha entrado na Catedral. Entrei pela primeira vez em 10 de novembro, quando vim fazer uma pequena visita à arquidiocese antes de assumi-la definitivamente. A primeira vez que entrei, foi uma sensação um pouco estranha, diferente, porque ela é a minha catedral agora. Ela é uma igreja bonita, moderna, e é um monumento histórico. A Catedral, por ser um dos lugares mais visitados de Brasília, é também um desafio porque, além de ser um lugar de cultura, ela tem que ser um local onde cada pessoa que entrar tenha a percepção do sagrado, do transcendente, do outro. Há um autor francês, Pierre Nora, que fala dos lugares da memória, e a Catedral deve ser um lugar da memória, que relembre para cada brasiliense, para cada brasileiro, a existência de algo mais. Eu acho que, em uma sociedade secularizada, esses monumentos devem falar, nos relembrar que alguém construiu Brasília e nos indicar uma direção maior que está dentro do ser humano.
Que mensagem o senhor manda para as pessoas que estão deprimidas, que estão esgotadas depois de estarem 10 meses em casa por causa da pandemia?
Minha mensagem é: tenha esperança. Não há tempestade que não passe. Então, tenha esperança. As vacinas já estão aí, podem demorar um pouco ainda, mas nós estamos começando a ver a luz. Procure socorro. Se você está na sua casa com algum problema, ligue para uma igreja, para alguém que possa te atender, um amigo, uma amiga. Dialogue, coloque suas angústias para fora. Eu acho que a fé, nesse momento, é importante para termos a percepção de que não estamos sozinhos. Que temos uma presença maior, conosco, que é a presença de Deus. A fé nos ajuda e nos sustenta nesses momentos.
Qual é o propósito que o fiel católico deve seguir nesse momento tão difícil?
O propósito é olhar para Jesus Cristo e saber que ele é a razão da nossa esperança. É preciso perceber que nós não estamos sozinhos. Você não está sozinho na sua vida e nós não estamos sozinhos na história. O senhor está conosco e, se ele está conosco, a tempestade vai passar. Uma hora a calmaria vai chegar, o Sol vai brilhar de novo, a vida da história vai continuar. Isso é fundamental.
Em relação ao papa, vocês têm contato direto? Ele é uma inspiração para o senhor? Como é essa relação?
Eu tenho um grande amor pelo papa Francisco. O Rio de Janeiro foi a primeira grande viagem internacional do papa, e eu tive a graça de ser um dos organizadores da Jornada e de recebê-lo. Convivemos quase uma semana juntos. Eu o vi alguns vezes, conversei com ele. O papa Francisco é um homem de uma humanidade sem igual. Ele é capaz de falar com você das coisas mais complicadas às coisas mais simples do dia a dia. Todas as vezes que fui a Roma, eu participava daquelas audiências que ele faz às quartas-feiras e apertava a mão dele. O papa sempre me chamou pelo nome, ele tem uma memória sem igual. Uma vez, recebi um telefonema dele logo depois da Jornada para falar da dívida do evento, que ele ia ajudar e ele, inclusive, ajudou. Então, é alguém que marcou muito a minha vida e alguém que eu tenho um grande amor. Eu sou convencido do caminho que ele aponta para a Igreja. Quando o papa Francisco fala da proximidade, de ir ao encontro das periferias humanas, as periferias existenciais, quando fala de uma Igreja missionária. Isso é o que eu acredito. Já acreditava antes dele, e é o que eu acredito. Quando eu falo, por exemplo, das instituições que vão se afastando cada vez mais da vida do povo, o papa Francisco aponta o contrário. Aponta para uma Igreja que está no meio do povo, fala de Jesus que andava no meio das pessoas. E quando a gente fala de uma Igreja que estava no meio do povo, é de uma Igreja que atende as pessoas, que está de portas abertas, que até no dizer “não”, diz com elegância. A Igreja não pode ser a casa da burocracia, ao contrário, ela tem que ser a casa do acolhimento. Então, o que o papa Francisco propõe é aquilo que eu acredito que deve ser a vida da Igreja.
Antes dele, e com a chegada dele, havia uma resistência. A Igreja estava distante?
Não creio que estivesse distante. Eu creio que João Paulo II, por exemplo, foi um papa muito próximo, que propôs um caminho interessante também para a vida da Igreja. Ele tinha uma popularidade, ia ao encontro das pessoas, quebrava protocolos. Depois, veio o Bento XVI, que era um homem mais tímido e de grande intelectualidade. Era o homem dos grandes discursos. O papa Francisco é um homem pastor, que é inteligente, com uma boa formação, mas um pastor. É um homem que veio de uma grande arquidiocese, a de Buenos Aires. Um homem com estilo latino-americano. E que eu acho que trouxe o espírito da Igreja. Foram homens certos nos momentos certos.
Como o senhor vê esse movimento do aborto, que está acontecendo na Argentina, por exemplo, e a influência dele no Brasil?
A Igreja tem uma posição muito clara contra o aborto. Ela não pode admitir o aborto e não o admite porque existe o mandamento “não matarás”. A Igreja é a favor da vida desde a primeira concepção até o último suspiro.
E em relação ao caso da menina de 10 anos?
É uma situação complicada porque o ato do aborto é grave, mas que consciência tem essa menina de 10 anos? Não dá para você jogar o peso em cima daquela menina. Para que a gravidade de uma situação seja vista, é preciso que se tenha consciência, tenha vontade e tenha liberdade. Nessa situação, é preciso acolher, encontrar as pessoas, os dramas familiares, os humanos. Esse é o grande desafio. A igreja tem que ser a favor da vida, mas, ali, é uma situação que veio da dor.
O que o papa Francisco quis dizer, em sua opinião, nas declarações relacionadas à homossexualidade?
O que o papa Francisco quis dizer é que a Igreja não é contra que haja reconhecimento civil para essas pessoas. A doutrina da Igreja não muda em nada. O sacramento do matrimônio é entre um homem e uma mulher. O que o papa Francisco quis dizer é que a Igreja não é contra às leis do Estado que reconhecem os direitos civis dessas pessoas. A Igreja não pode entrar, em momento algum, no que chamamos de cultura da intolerância. Ela tem respeito pelas leis do Estado, pelas instituições e, também, por essas pessoas. Ela respeita e quer ser respeitada. Eu acho que é o caminho do respeito ao diferente que o papa Francisco propõe para a sociedade.
O senhor acha que as pessoas têm muitas expectativas em relação ao que a Igreja pode dizer e oferecer?
Eu acho que, às vezes, as pessoas querem que a Igreja fale de tudo, seja a favor de tudo e resolva tudo. A Igreja tem a fidelidade dela ao evangelho de Jesus Cristo e, por isso, terá momentos que ela terá que dizer “não”. No entanto, ela sempre terá que ser a comunidade do acolhimento, do acompanhamento e da integração para aqueles que querem. Sempre sua palavra deverá ser de humanidade, de respeito. Entre o sim e o não, existe o encontrar e o acolher.
O senhor sente saudade da academia, de dar aula?
Sinto. Eu gosto da academia. Eu fui muito feliz lá e, até hoje, eu não consigo viver sem ler.
O senhor falou em acolhimento, e Brasília está te acolhendo. O que o senhor gostaria de dizer a Brasília?
Eu gostaria de dizer a Brasília que eu venho com o coração aberto. Disposto a entrar no mundo dest cidade com muito respeito. De encontrá-la com muito respeito e também propor a fé, para os católicos, e o diálogo, para os homens e mulheres de decisão dessa cidade. Eu quero ser um homem que dialogue e que ajude a vencer essas polarizações e a intolerância. Alguém que proponha uma sociedade de irmãos.