Que me desculpe o leitor em busca de um tema ameno para espairecer, mas tenho de falar da vacina. Não estava botando fé que pudesse ser criado um imunizante contra o novo coronavírus em curto prazo. Ainda bem que eu estava errado. As vacinas estão chegando. Todavia, no Brasil, encontrar a vacina não é o único problema.
O essencial das previsões dos cientistas sobre a pandemia se confirmou com uma obviedade humilhante, para o bem e para o mal. Eles alertaram que, se os governantes e a sociedade relaxassem antes da hora, o vírus voltaria a atacar de uma maneira ainda mais dramática.
E é precisamente isso que está acontecendo. Os lugares que tomaram cuidados estão com os índices controlados ou em baixa; os que se descuidaram, enfrentam uma escalada ascendente e uma perspectiva de caos. Isso pode ser observado nas diversas regiões do DF. É claro que os mais pobres têm mais dificuldade de se proteger.
O Governo Federal negou a doença como uma “gripezinha”, ridicularizou os mortos, reduzindo-os à condição de “maricas”, e tripudiou das recomendações da ciência. Além disso, o Ministério da Saúde publica releases com o número de pessoas salvas. Agora, estamos colhendo os resultados.
Alguns políticos negacionistas pegaram a covid-19, mas ninguém morreu, pois, ao que parece, a letalidade está diretamente ligada à demora em receber atendimento. Suas excelências recebem tratamento com a maior presteza nas melhores instituições médicas. Os desvalidos têm mais probabilidade de morrer, não por serem “maricas”, mas por enfrentarem filas de espera cruciantes em hospitais abarrotados.
Pois bem, graças aos esforços dos cientistas, eis que, contra os prognósticos pessimistas, surge a oportunidade de atacar a crise sanitária com uma série de vacinas, em fase final de aprovação para aplicação em curto prazo. No entanto, o governo parece um tanto desinteressado. Enquanto a maioria dos países negocia a compra de imunizantes para vacinação a partir de janeiro, o Brasil permanece atrasado nas tratativas para adquirir as doses.
Pressionado, o Ministério da Saúde planeja começar o processo de vacinação em março — ainda assim, de maneira bastante restrita. Enquanto isso, lemos notícias de que um representante dos fabricantes de seringas informa que as negociações com a pasta se atrasaram e só será possível produzir o insumo, em quantidade suficiente para a campanha, daqui a seis meses. Quer dizer, é provável vivermos uma situação surreal em que haja vacina, mas seja inviável aplicá-la por falta de seringa.
Mais de 175 mil brasileiros morreram por causa da covid-19. E mais morrerão se não forem tomadas providências para imunizá-los. Ante essa série de fatos, eu me pergunto: qual é o plano do governo, com os negacionismos e as omissões? Como retomar plenamente a atividade econômica sem a imunização dos brasileiros?
As instituições precisam não apenas barrar o negacionismo, mas, também, exigir do governo um plano urgente de vacinação em massa para os brasileiros. Diante da morte, não é possível neutralidade. Não importa se a vacina é da China, dos Estados Unidos, da Rússia ou da França. Vacina não tem ideologia. Vacina é patrimônio da humanidade.