Ainda que Brasília não tenha a bagagem histórica de Paris, Atenas e Roma, por exemplo, a singularidade dela torna-se suficiente para que seja reconhecida no mundo inteiro. Afinal, com a ousadia em primeiro plano, sem ser somente o piloto, a capital federal entrou, aos 27 anos, para o grupo das cidades com o título de Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco, o braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação, Ciência e a Cultura. Esse reconhecimento veio há 33 anos, em 7 de dezembro de 1987.
“Brasília mostra, no cenário brasileiro e internacional, que é possível reconhecer valores coletivos em nossa cultura, que é possível almejar um ambiente urbano constituído com elementos naturais como protagonistas e que a reconciliação com a natureza, que é também nosso dever, é um horizonte que se situa na nossa história, um horizonte possível", explicou a arquiteta e urbanista Emília Stenzel, representante do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), braço técnico da Unesco.
Em relação à arquitetura e ao urbanismo de Brasília, ambos alcançam uma expressão nova, brasileira, nos projetos de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, indicou a especialista. "Situando-a no contexto da arquitetura da segunda metade do século 20, vemos que o conjunto urbanístico alcança uma qualidade estética ímpar. Brasília incorpora aspectos do urbanismo tradicional que encontramos em Paris e Barcelona, anteriores ao século 20, como a escala da vizinhança e a altura dos edifícios. O projeto urbanístico sintetiza várias tendências”, acrescentou.
Obra prima
De acordo com Stenzel, os europeus fazem julgamento imaginando-a como reprodução dos padrões do modernismo encontrada nos subúrbios das grandes capitais europeias.“Fizemos algo muito mais ambicioso. Brasília foi inscrita na lista porque foi considerada uma obra prima do gênio humano, que contou com um esforço coletivo para tornar o projeto realidade. A cidade existe porque as pessoas do país inteiro se engajaram na construção.”
A especialista indica, ainda, que a maioria dos países ainda representa o poder nacional com palácios imponentes, escadarias monumentais, muros maciços e pesados. "Já os palácios de Brasília se apresentam com os valores da simplicidade, do equilíbrio, da leveza e da transparência. Aí reside o valor da arquitetura de Brasília, que não se impõe, mas nos encanta na expressão destas relações. E, se a casa do Legislativo passa a ideia de força, é para expressar a subordinação dos demais poderes à vontade popular ali instituída", ressaltou.
"Muitas vezes, olhamos para os inquilinos dos palácios e pensamos que nossa democracia nos frustra. Mas a arquitetura de Brasília mantém acesa a promessa de um Brasil que é possível: um país com o entendimento de que o poder se firma, nos engaja, pelo reconhecimento de seus valores intrínsecos. Um reconhecimento como conquistado pela arquitetura de Brasília, com sua ideia de democracia. Esse é um papel central e atual de sua arquitetura. Outro aspecto também atual de Brasília é que, enquanto as nossas cidades históricas afugentam a natureza, Brasília a acolhe", finaliza Stenzel.