Na última semana, fiquei grudado nos sites e na tevê para acompanhar as eleições municipais, com a tensão que assisto a um jogo do Corinthians. Sim, porque cada vez mais a gente percebe como a política interfere em nossas vidas.
Quando penso no cenário atual da política, sempre me lembro de cenas da narrativa onírica de Alice no País das Maravilhas, em que a protagonista bebe o líquido de um misterioso frasco e passa por inúmeras metamorfoses. Em dado momento, Alice se agiganta de maneira vertiginosa. Pois bem, nas eleições de 2018, as fake news suscitaram um movimento semelhante ao vivido pela personagem de Lewis Carroll.
Sob a influência das notícias mentirosas, nulidades absolutas foram alçadas à condição de fenômenos eleitorais. Mamavam nas tetas do Estado, praticavam atos ilícitos, eram antidemocráticos e mentiam, mas se apresentavam como outsiders, probos, independentes, arautos da segurança e inimigos da corrupção.
Esta eleição de 2020 revela que a máscara começa a cair e eles voltam a ostentar o tamanho real, sem os anabolizantes da mentira. Isso não quer dizer que todos os problemas do sistema político estejam resolvidos. Muito longe disso. Mas, ao menos se vislumbra a saída de um estado de pesadelo, em que não havia mais uma relação entre causa e efeito, ato e consequência, ação e reação.
Os Estados Unidos nos deram uma lição de compromisso com a veracidade dos fatos. Quando Donald Trump tentou vender a versão de que as eleições dos EUA, vencidas por Biden, seriam supostamente fraudadas, várias emissoras de televisão interromperam a fala do presidente e registraram que ele, simplesmente, mentia. Desmentiram sua excelência em rede nacional. Enquanto isso, por aqui, afirmações sabidamente falsas ganham o status de “declarações polêmicas”.
A imprensa norte-americana calcula que, durante o mandato, Trump teria cometido cerca de 20 mil mentiras. E, em nosso pedaço, se fosse compulsado, o número de “declarações polêmicas” das autoridades superaria as de Trump.
De qualquer maneira, nas eleições brasileiras, com a vigilância sobre as redes sociais, a democracia ficou mais protegida, apesar da onda de ataques covardes às candidatas mulheres Manuela D’Ávila e Marília Arraes.
O sistema eleitoral norte-americano é uma carroça diante do nosso. Deixa o caminho aberto para especulações sobre fraude até agora. Em compensação, ao longo do tempo, o TSE permitiu ações que não poderiam passar impunes. A mentira mina a democracia. As redes sociais não podem continuar a ser uma selva selvagem em que vale tudo.
Quem negou a pandemia, descuidou da saúde, não zelou pela cidade e não tinha história na política se deu mal nas eleições municipais. A diminuição das fake news reduziu candidatos falaciosos ao tamanho real de seres liliputianos.
É um sinal que reestabelece um mínimo de justiça no processo das eleições. O nosso voto precisa ter relação com as ações e as histórias dos candidatos. A inibição das fake news não resolve todos os problemas, mas é um primeiro passo
para sairmos do pesadelo de Alice.