O aumento da taxa de transmissão do novo coronavírus deixou o governo do Distrito Federal atento para uma possível segunda onda da covid-19. Na manhã de ontem, em coletiva no Palácio do Buriti, o secretário de Saúde, Osnei Okumoto, fez um apelo para que os brasilienses não relaxem as medidas de segurança, pois, só assim, é possível evitar a disseminação do vírus. “Quando observamos a taxa de transmissão R(t) do DF, estamos em alerta para uma possível segunda onda”, observou. Desde 28 de novembro, este índice é de 1,3 — em que 100 infectados passa o vírus para 130 pessoas —, o que, segundo o secretário, indica um avanço do novo coronavírus na capital federal. A taxa é um dos três fatores utilizados pela Secretaria de Saúde (SES-DF) para avaliar a situação da pandemia em Brasília.
Os outros dois elementos são: o número de óbitos e a quantidade de pessoas internadas devido à covid-19. Segundo o último boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde divulgado ontem, em 24 horas, o DF registrou 444 casos e cinco mortes devido à doença, somando 229.146 infectados e 3.930 óbitos. Sessenta e um pacientes estão em leitos de unidades de terapia intensiva (UTI) — na capital, há 205 leitos de UTI, em nove hospitais da rede pública de saúde, para o tratamento do novo coronavírus. Os recuperados são 208.482 (95,4%).
Segundo Okumoto, os índices avaliados chamam a atenção, no entanto, não demonstram a necessidade de retomar medidas rígidas como o fechamento do comércio. “Há um aumento de casos, mas, ainda, temos leitos vazios em UTIs e enfermarias da rede pública. É o que estamos observando para decidir as medidas de enfrentamento necessárias”, afirmou o secretário de Saúde.
Durante a coletiva, Okumoto avaliou que o avanço da doença é uma consequência do relaxamento da população em relação aos protocolos de segurança sanitária. “Percebemos uma grande quantidade de jovens em bares e estabelecimentos, compartilhando itens de uso pessoal, como copos, e sem máscaras. Isso aumenta a transmissão do vírus. Por isso, solicito, novamente, que a população tome cuidado e não relaxe”, ressaltou. Entre pessoas de 20 a 29 anos, em que a taxa de letalidade é de 0,1%, há 42,2 mil infectados e 32 mortes. Na faixa etária de 80 anos ou mais, o índice de mortalidade é bem maior, 29% — dos 3.885 pacientes, 1.005 evoluíram a óbitos.
“As pessoas precisam seguir as medidas de proteção, evitar aglomerações, utilizar as máscaras, fazer a higienização das mãos e, quem for do grupo de risco, por favor, não saia de casa”, completou Okumoto.
Combate
O secretário de Saúde detalhou algumas medidas de combate à crise sanitária, sendo a principal delas o inquérito epidemiológico, que terá início amanhã, em Ceilândia, e deve terminar, no máximo, em 20 de dezembro. “É necessário, em nível de estudo e pesquisa, para entender como o vírus circulou e circula no DF”, destacou Okumoto. Ele explicou que a pasta recebeu uma doação de 10 mil testes, do tipo IgG e IgM, da Fecomércio, para serem usados na investigação.
Para desenvolver o inquérito, foram solicitados 34 profissionais da atenção primária à saúde, 34 bombeiros e viaturas e 34 profissionais do Serviço Social do Comércio (Sesc). A pesquisa será realizada por meio de amostragem e sorteio, com busca ativa das pessoas para fazer os testes. Serão 230 escolhidos em cada uma das 34 regiões administrativas para fazerem exames e verificarem se carregam anticorpos ou não. “Precisaremos do apoio de todos para realizarmos este estudo. Por favor, recebam os profissionais de saúde em casa e participem da pesquisa”, frisou o secretário.
Okumoto informou que a pasta está tomando as providências para equipar o Hospital de Campanha de Ceilândia, que teve as obras finalizadas na última sexta-feira. “Todos os equipamentos serão oriundos do Hospital de Campanha do Mané Garrincha. O investimento foi de R$ 10,4 milhões, e o hospital terá 60 leitos”, garantiu. A unidade, localizada na QNN 27, deve começar a funcionar nos próximos 20 dias.
Oito meses de crise
Especialistas ouvidos pelo Correio observam que, por enquanto, apenas o índice de infecção tem variado, não o de mortes. “Isso pode ser justificado por dois fatores: o primeiro é o acesso maior ao diagnóstico. O segundo é que o DF tem uma população mais jovem se expondo em bares, em atividades de lazer, voltando a se comportar como antes. É bem provável que essa população jovem, que estava restrita, hoje, esteja se expondo ao vírus, que continua circulando. E a população jovem tem uma taxa de letalidade baixa”, explica o infectologista Hemerson Luz. No DF,
A preocupação principal, segundo o médico, é de que haja superlotação do sistema de saúde, caso não a população não seja responsável. “O risco maior é aumentar a taxa de ocupação das UITs e, com isso, teremos aumentos na taxa de letalidade, por falta de leitos. É um risco que a gente está correndo. É difícil dizer se estamos na segunda onda ou se virá, não há uma definição clara. Quando há uma doença transmissível, é necessário que alguma autoridade sanitária declare que ela está controlada. Isso não ocorreu. Tivemos um gráfico descendente, mas ainda com impacto na saúde”, ressalta.
Desde que o governo flexibilizou as medidas de isolamento, tem sido comum aglomerações em pontos da cidade, como na orla do Lago Paranoá, parques e estabelecimentos comerciais. A queda na taxa de transmissão levou mais pessoas a saírem às ruas. A professora e historiadora Eliete Barbosa de Brito Silva, 51, acredita que esse comportamento é perigoso.
“Eu me encontro bastante preocupada, não só comigo, mas com a população. A nossa tendência, quando algo se delonga, é naturalizarmos esse fato. Em função desse prolongamento, dessa condição de exceção à qual estamos vivendo, as pessoas tendem a naturalizar a pandemia e, consequentemente, deixar de lado as prevenções. Começam a pensar: é só um pouquinho. Ninguém pensa que naquela pracinha pode ter alguém infectado sem sintomas. São preocupações que passam despercebidas, que podem parecer neuróticas para quem já naturalizou a situação, mas são indispensáveis para que a gente permaneça saudável”, defende Eliete.