Cerca de 30 mil empregadas domésticas e diaristas foram demitidas entre março e julho deste ano, segundo o Instituto Doméstica Legal. Uma das que perdeu o emprego formal foi Graziele Gonçalves, 32. Ela é integrante do grupo de risco da covid-19: é asmática. Como os antigos patrões eram diabéticos, e diante do risco de contaminação, decidiram dispensar Graziele ao invés de mantê-la trabalhando, em abril. “Me abalou demais, fiquei desesperada, não queria ter saído”.
Agora, Graziele, que é mãe de dois filhos e está grávida de cinco meses, diz que, além de ser demitida, a renda do marido (motorista) diminuiu com a redução da demanda por transporte de carretas, e explica que o pagamento do auxílio emergencial assegurou o sustento da família. “Foi o que me ajudou bastante”, conta. Segundo dados do Ministério da Cidadania, 82.131 pessoas que recebem o benefício na capital federal indicaram como ocupação laboral o trabalho doméstico.
De acordo com um estudo da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), havia 70 mil pessoas trabalhando como empregadas domésticas, em setembro. Todos os dias, às 6h, a diarista Sônia dos Reis, 59 anos, se levanta, toma o café da manhã, pega o álcool gel, duas máscaras e vai esperar o ônibus que a levará para um dos postos de trabalho do dia: é mais de uma hora de viagem do Riacho Fundo II, onde mora, até o Plano Piloto, local de trabalho. “É onde corro mais risco”, destaca. Apenas em uma das sete casas em que trabalha, Sônia consegue tomar banho e se higienizar antes de começar a jornada. Nas outras seis, assim que chega, já pega no batente. Os equipamentos de proteção de que dispõe foram comprados por ela mesma.
Quando o isolamento começou, em março, Sônia negociou com alguns patrões para que ficasse em casa recebendo as diárias enquanto durasse a pandemia do novo coronavírus. Mas essa condição não durou muito tempo. Assim como outras colegas, ao longo de mais de oito meses, ela voltou ao trabalho presencial. "Aqueles que me liberaram e não me pagaram, eu não volto mais." Outra crítica é com relação ao negacionismo de alguns chefes. “Eu trabalho em lugares em que os patrões não usam máscara, trabalho também com gente de risco, senhoras de idade, muitas nem gostam de usar qualquer proteção”.
A diretora do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do DF, Samara Nunes, ressalva que no Distrito Federal a realidade é de violação de direitos trabalhistas para a categoria. “Se antes não respeitavam, agora que está um desrespeito total”, protesta.
Cuidados
No início da pandemia, em março, o Ministério Público do Trabalho (MPT) editou uma nota técnica em que orienta as relações entre empregadores e empregadas domésticas neste período: a garantia de que essas trabalhadoras fossem dispensadas do trabalho e que a remuneração fosse assegurada durante o isolamento. Outro ponto era o fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) pelos empregadores, quando a dispensa não fosse viável, como é o caso de cuidadores de idosos, por exemplo.
A infectologista Eliana Bicudo alerta que, se o protocolo sanitário não for cumprido, há risco de contaminação dentro de casa tanto para a profissional quanto para a família. “Tem que estimular o uso de máscara, o vírus se transmite pela boca e pelo nariz”. Para reduzir a chance de transmissão, ela orienta que as trabalhadoras, além de higienizar as mãos, tomem banho ao chegar e tenham uma roupa privativa para usar no trabalho. Outra orientação é manter o ambiente de trabalho arejado, além de manter o distanciamento, evitando ficar nos mesmos cômodos: “Assim, o risco é mínimo”.
São essas diretrizes que a estudante Tamara Camargo, 35, decidiu seguir ao chamar uma trabalhadora doméstica para ajudá-la a partir deste mês. Ela divide a casa com a mãe de 79 anos e a filha de 12, e acabava acumulando todas as tarefas. “Tivemos muita discussão e ponderação até conseguir fazer um meio termo, em que onde dava pra ter essa brecha, foi um processo bem sofrido”, afirma.
“Vou contratar com todos os direitos e benefícios, respeitando o horário de trabalho, tudo certinho, dentro da lei. Não gosto de fazer nenhum acordo”, diz Tamara.
Uma vez que a covid-19 é considerada uma doença ocupacional, se a diarista for contaminada no trabalho, uma perícia do INSS vai atestar ou não se a infecção ocorreu por conta da prestação do serviço.
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