“Fria e sem remorsos”, descreveu o delegado-adjunto da 19ª Delegacia de Polícia (P Norte), Thiago Peralva, sobre o comportamento de Sthefany Virginia Inácio Rodrigues, 21 anos, durante depoimento. Ela e dois amigos são acusados de asfixiar e assassinar o aposentado Ricardo Flávio dos Santos, 69. Um dos suspeitos, Alberto Nascimento Lima, 37, é agente do Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal (DER-DF); o outro é Kennedy José de Souza Herculano, 21.
Ao Correio, Thiago Peralva contou, em detalhes, como os autores chegaram à vítima. Durante o interrogatório, Sthefany Virginia disse estar desempregada e que, há três semanas, estava em um bar de Ceilândia com Alberto e Kennedy José. A jovem conversava com a vítima por meio de um aplicativo de relacionamento. Ricardo Flávio havia se divorciado recentemente. “Segundo ela, o (amigo) mais novo teria perguntado quem era a pessoa para quem a amiga mandava mensagem. Ela contou que se tratava de um homem mais velho e afirmou que ele tinha dinheiro para receber”, afirmou o delegado.
O dinheiro em questão, segundo as investigações, seria referente a uma indenização de seguro veicular, no valor de R$ 35 mil. O delegado afirmou que, no bar, o trio demonstrou interesse em “pegar esse montante”. “Tudo indica que eles arquitetaram o crime para subtrair a indenização, mas isso ainda está sendo investigado”, destacou Thiago.
Na manhã de quarta-feira, por volta das 8h, Ricardo Flávio saiu de casa, em Samambaia, e disse aos irmãos que iria a um escritório de advocacia, na QI 7 do Guará 1, mas sem informar o motivo. Às 12h, um dos irmãos da vítima telefonou, para saber onde Ricardo estava, mas ele não respondeu. Depois disso, familiares perderam o contato com o aposentado.
O delegado contou que Stefhany Virginia convidou Ricardo para ir ao apartamento dela, no Sol Nascente. Ela disse que morava sozinha e o chamou, no início tarde de quarta-feira, para tomar bebidas em casa. Os amigos da jovem estavam lá. “A suspeita colocou cerca de 15 gotas de um medicamento controlado na bebida da vítima, ele desmaiou e, em seguida, ela pegou os cartões bancários dele para sacar o dinheiro da indenização”, continuou Thiago Peralva.
O trio foi até uma agência bancária de Ceilândia e tentou efetuar o saque dos R$ 35 mil, mas não conseguiu, pois a digital do titular da conta era necessária para o procedimento. Ainda assim, os suspeitos conseguiram sacar R$ 2 mil. As investigações revelaram que o grupo voltou ao apartamento para pegar o cartão de débito da vítima, ainda desacordada, para fazer compras. “Um comerciante ouvido alegou que a suspeita chegou a errar, duas vezes, a senha e disse que retornaria depois”, acrescentou o delegado-adjunto.
Mau-cheiro
Durante o interrogatório, Sthefany Virginia confessou que sentiu medo de o homem descobrir o golpe e, por isso, matou-o, com a ajuda dos amigos. Ele foi asfixiado com o cabo de uma chapinha de cabelo e, em seguida, sufocado com um travesseiro. O horário da morte informado pela suspeita foi contestado pelos policiais: “Ela disse que o assassinou às 23h, mas isso será apurado, pois há possibilidade de eles o terem matado à tarde, quando doparam-no”, frisou o investigador.
Após cometer o crime, a suspeita deixou o corpo no apartamento dela e seguiu para a casa da mãe, em Ceilândia Norte, onde passou a noite. Preocupada com o sumiço de Ricardo Flávio, a família dele chegou a registrar boletim de ocorrência na 4ª DP (Guará), na quinta-feira. Policiais civis só localizaram a vítima após receberem uma denúncia anônima a respeito de um “mau-cheiro” que vinha do apartamento de Sthefany. A suspeita era de que havia um cadáver no local.
Ao chegarem ao apartamento, os investigadores encontraram o corpo de Ricardo Flávio na cama da jovem. Não havia ninguém em casa. “(Em seguida,) decidimos fazer campana. Ficaram alguns policiais do lado de fora do prédio, e eu, dentro do apartamento. Vimos a hora que ela chegou e a abordamos. Nas mãos, ela tinha um galão com cinco litros de gasolina, que seria usado para atear fogo ao corpo da vítima”, completou o delegado.
Laudo médico
Sthefany Virginia foi detida em flagrante e levou os policiais à residência do outro suspeito, de 21 anos. Ele não estava em casa, mas chegou na companhia do agente da DER. Os três foram presos e podem responder por latrocínio consumado. Eles relataram que, após queimar o corpo, iriam deixá-lo em Águas Lindas de Goiás — a cerca de 27km de Brasília —, onde teriam conhecidos que ajudariam no crime.
Um laudo médico mostrou que Sthefany Virginia sofre de psicopatia e faz uso de medicamentos controlados. O remédio usado para dopar a vítima pertencia a ela, que o consumia sob prescrição médica. Durante o depoimento, segundo o delegado Thiago Peralva, a jovem chegou a apresentar “comportamentos diferentes”. Em um primeiro momento, ela contou que Ricardo Flávio a teria estuprado, motivo pelo qual teria cometido o crime.
No entanto, a versão da própria suspeita desmentiu a afirmação pouco tempo depois. “No início, ela tentou mentir e até chorou, querendo demonstrar arrependimento. Mas, depois, começou a contar o caso de maneira natural e, em vários momentos, dava risadas, pedia para sair e fumar um cigarro”, disse o investigador.
O Correio entrou em contato com uma das irmãs de Ricardo Flávio, mas ela informou que a família está “muito abalada” e, por isso, não concederia entrevista. A Polícia Civil comunicou o DER-DF sobre a prisão do servidor público. A reportagem procurou o departamento, que, em resposta, afirmou que não se manifestaria sobre o caso.