“Tentamos ficar em paz, mas nunca vamos superar o que aconteceu. Foi cruel demais”, diz Maria do Socorro Oliveira, 54 anos, avó paterna de Rhuan Maycon da Silva Castro. O menino de 9 anos foi brutalmente assassinado pela mãe, Rosana Auri da Silva Candido, e pela madrasta, Kacyla Priscyla Santiago Damasceno Pessoa, em 2019. As duas mulheres condenadas pela morte da criança não demonstraram remorso ou arrependimento pelo crime praticado, segundo detalhes da sentença judicial.
O veredito do Tribunal do Júri de Samambaia sobre o caso saiu na noite de quarta-feira. A sentença, assinada pelo juiz Fabrício Castagna Lunardi, condenou Rosana a 65 anos de prisão e Kacyla a 64 anos. Ambas cumprirão pena em regime fechado. Para o juiz, o crime foi “friamente premeditado”, com antecedência de, ao menos, um mês. Em maio de 2019, as acusadas mataram a criança, esquartejaram e incineraram o corpo da vítima, na tentativa de dificultar o reconhecimento de Rhuan.
Uma frase da mãe da criança chamou a atenção do magistrado que analisou o caso. À época da prisão em flagrante, Rosana respondeu a perguntas do então delegado-adjunto da 26ª Delegacia de Polícia (Samambaia Norte), Guilherme Sousa Melo. O investigador havia questionado se Rosana chegou a comer a carne do filho. Em resposta, ela disse que não, mas afirmou que “o cheiro estava bom”.
Atualmente na 4ª DP (Guará), Guilherme Sousa relatou ao Correio que, mesmo após o fim das diligências, o caso chocou até os policiais. “Nem sei dizer o que senti quando ela me disse aquilo. É de uma crueldade imensa. Passamos uma semana investigando. A cada nova descoberta era um sentimento diferente”, contou o delegado da Polícia Civil.
Além da crueldade do ato, o assassinato ocorreu na presença da filha de Kacyla, uma menina de 8 anos. O 2º Conselho Tutelar de Samambaia informou, à época, que as duas crianças tinham sinais de maus-tratos e que, antes do crime, não tinha conhecimento da situação delas. Quando policiais prenderam as acusadas, a menina foi acolhida por conselheiros tutelares e ficou 15 dias em processo de readaptação com o pai, Rodrigo Oliveira.
Em 2014, Rosana e Kacyla haviam fugido do Acre com Rhuan e a filha de Kacyla. A partir de então, as famílias paternas passaram cinco anos à procura das crianças. Durante a fuga, a mãe e a madrasta passaram por diversos endereços, em diferentes estados. Moraram em Goiânia, Anápolis (GO), Trindade (GO), Aracaju (SE) e, por fim, no DF.
Após o crime, Rodrigo saiu do Acre, onde morava, para buscar a filha em Brasília. Ainda em 2019, a Justiça concedeu liminar para ceder a guarda da criança ao pai. Ele entrou com pedido pela guarda unilateral da menina e, até hoje, aguarda audiência para decisão final, segundo a advogada da família, Octavia Moreira. A reportagem tentou falar com Rodrigo, mas não conseguiu contato por telefone até o fechamento desta edição.
Legislação
Com o desfecho do caso, familiares de Rhuan esperam que Rosana e Kacyla cumpram toda a pena possível na cadeia. “Queríamos uma pena maior, porém, como não é possível, estamos satisfeitos com a justiça que foi feita”, disse a avó paterna de Rhuan. Ela acrescentou que todos os parentes ainda sofrem pela morte da criança. “O pai dele está aqui a meu lado, mas muito abalado e não quer falar sobre o caso”, disse Maria do Socorro.
Em relação ao tempo de prisão, a advogada criminalista Hanna Gomes avalia que, pelo ponto de vista técnico, a pena foi justa, pois ninguém pode passar mais de 40 anos em reclusão no Brasil. “Desde 2019, a lei não permite que as pessoas fiquem presas além desse tempo. Apesar disso, é importante que o juiz sentencie a somatória correta dos crimes, pois esse valor servirá como base de cálculo para possíveis benefícios das rés. Determinará, por exemplo, quando elas poderão sair em feriados e quanto tempo de trabalho precisarão fazer para diminuir o tempo presas”, explicou Hanna.
Julgamento
Perante o Tribunal do Júri, os advogados das rés sustentaram que Rosana e Kacyla eram incapazes de responder pelos próprios atos. A defesa sugeriu que a mãe de Rhuan deveria ser internada em um hospital, para tratamento. No entanto, os jurados não acataram a tese. Em entrevista ao Correio, o promotor Alexandre Ferreira das Neves de Brito, da 2ª Promotoria de Justiça do Tribunal do Júri de Samambaia, disse que não está satisfeito com o desfecho. “Em uma primeira avaliação, (a decisão) foi muito técnica. Não podemos dizer que estamos felizes com o resultado. Uma criança morreu e tem uma família arrasada. Esperamos que (a pena) apazigue, minimamente, o sofrimento das pessoas que amam o Rhuan”, afirmou.
Alexandre disse que o caso de Rhuan foi o mais difícil da carreira dele — de 16 anos no sistema de Justiça — e avaliou a necessidade de se intensificar a assistência a crianças e adolescentes. “Temos relatos de que o Conselho Tutelar foi acionado. A rede de prevenção, como o próprio conselho e a assistência social, é fundamental para evitar esse tipo de situação”, completou o promotor.
A defesa de Rosana comentou que recorrerá da decisão, mas para tentar diminuir o tempo de reclusão. “Foi um processo justo, em que a integridade das mulheres foi respeitada a todo momento. Um processo democrático e justo. Vamos recorrer apenas para diminuição da pena, pois a lei não permite que elas fiquem presas por mais de 40 anos”, disse o advogado, que preferiu não se identificar.
Colaboraram Adriana Bernardes e Mariana Machado