Em entrevista ao programa CB. Saúde, parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília, a psicóloga e doutoranda em psicologia clínica e cultura pela Universidade de Brasília (UnB) Ana Luísa Coelho Moreira falou, ontem, sobre a saúde mental da população negra. Pesquisadora na área de psicologia, relações raciais, mulheres negras, direitos humanos e políticas públicas, ela exemplifica como situações de racismo estrutural impactam no sofrimento psíquico da população negra. “A partir do momento que você acorda, a sua negritude é questionada, e conviver com isso gera uma série de sintomas. Como, por exemplo, a de não acreditar em si”, afirma.
Por que é importante fazer esse recorte étnico-racial e falar sobre a saúde mental da população negra?
Cerca de 54% da população brasileira são compostos de pretos e pardos. Então, quando se fala da saúde mental com esse olhar para a população negra, estamos falando da população brasileira e da maioria dela. Se for pensar historicamente o que nos levou a todo esse acometimento de doenças e transtornos ligados à saúde mental, temos a questão do colonialismo, da escravidão, e a própria forma como nosso povo preto foi marginalizado. Acho que é de fundamental importância que a gente possa focar e trazer essas dimensões raciais para pensar a saúde mental.
Pesquisas mostram que a população negra é a que mais sofre com o estresse crônico. O que isso representa no dia a dia?
Ser hipervigilante o tempo todo é colocar em dúvida a sua própria existência. A partir do momento que você acorda, a sua negritude é questionada, e conviver com isso gera uma série de sintomas. Como, por exemplo, a de não acreditar em si. E se você não acreditar em si, logo, você não vai buscar determinadas coisas, porque não vai ter forças para isso. O que pode gerar uma tristeza profunda. Muitos delírios psicóticos podem vir, também, desse lugar, por não se reconhecer nesse corpo. O que faz com a pessoa queira desejar um corpo que pode ser aceito.
Por que situações de racismo corriqueiro não são levadas ao psicólogo?
Primeiro, que o acesso ao atendimento clínico na psicologia, na psiquiatria, das terapias de uma forma geral, é muito elitizado. A maioria das pessoas que procura a terapia é branca, porque tem condições de pagar. Tem uma questão socioeconômica, mas tem uma questão, também, do entendimento de que eu posso cuidar da minha saúde mental. Para as pessoas negras, não chega essa oportunidade de pensar que é possível, tanto pela questão financeira, mas, também, por acreditar. E, quando essa pessoa negra chega lá, no consultório, é comum que questões de racismo sejam tão naturalizadas que ela não entenda que uma determinada situação faz parte de um racismo estrutural. Por isso, a importância de psicólogos negros, psicólogas negras e do que a gente chama da psicologia preta.
Você pode dar exemplos de intervenções, na prática, de como a psicologia preta pode ajudar uma pessoa em sofrimento por questões raciais?
Uma delas é a gente começar a nomear essa dor. Trazer à tona, dentro dessa escuta clínica, o quanto que é essa dor que vai ser relatada e entender que isso faz parte de um racismo estrutural é um dos caminhos.
Fale um pouco sobre o trabalho com mulheres em situações de rua.
Tem sido um trabalho muito interessante, primeiro por ser uma população invisível. Se a gente fizer um recorte para as mulheres, elas são ainda mais invisíveis, sendo 20% de toda a população em situação de rua. Imagine eu sentada ali, no chão da rodoviária, fazendo uma psicologia clínica, uma psicologia preta com mulheres em situação de rua, porque foi o momento em elas quiseram conversar comigo. E, a partir do que a pessoa está te trazendo, valorizá-la como sujeito.