De forma bastante inesperada os pais da bebê Kyara Lis, de 1 ano e 3 meses, receberam a informação de que a Advocacia Geral da União (AGU) decidiu recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para ter de volta o valor depositado pelo Ministério da Saúde para a aquisição do remédio Zolgensma. O medicamento é considerado o mais caro do mundo. A notícia de que a União pede a quantia de R$ 6.659.018,86 chegou para a família na tarde de quarta-feira (26/11). Se recurso da União for aceito, a família deverá devolver o montante recebido, segundo a Súmula 405 do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Ficamos tristes e desgastados de ver que a União recorreu, mas vamos mostrar todos os laudos médicos. Sei que a Kyara realmente precisava do remédio, pois vários especialistas disseram que a medicação era importante para ela. Afinal, o Spinraza, disponibilizado pelo SUS, e o Zolgensma atuam de forma diferente. Tudo isso será mais uma vez reforçado na defesa”, lamentou a mãe Kayra Rocha ao Correio.
A campanha da família conseguiu arrecadar o valor de R$ 5.340.981,14 até o dia 1º de outubro. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Napoleão Nunes Maia Filho mandou que o órgão federal pagasse o restante do valor para complementar o remédio. Desde junho deste ano, a menina esperava pelo remédio, único capaz de impedir o avanço da doença. Ela precisou ficar internada no Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba.
A mãe da criança, Kayra Rocha, também contou ao Correio que a bebê está enfrentando alguns efeitos colaterais do Zolgensma, que começaram no último fim de semana. “Ela está bem, mas vomita todos os dias e está comendo pouco", finaliza.
Requerimento
Na decisão enviada ao STJ, a AGU disse que não houve discussão técnica a respeito da imprescindibilidade do medicamento, tampouco das alternativas que o Sistema Único de Saúde (SUS) fornece, diante da não incorporação do medicamento. O requerimento da AGU ocorreu cinco dias após Kyara receber a aplicação do medicamento.
"O valor necessário para tratar 170 crianças com o Zolgensma representa 32% de todo o orçamento do
CEAF, sendo suficiente para atender a 816.680 usuários desse componente. Caso aplicado o tratamento a crianças até dois anos, o valor gasto com o Zolgensma será maior do que todo o orçamento previsto para o CEAF. Portanto, a concessão judicial do tratamento com Zolgensma beneficia um pequeno número de pacientes em detrimento de grande parte dos usuário do SUS, que ficam privados de adequado acesso à saúde por falta de recursos", diz o texto.
Direito à saúde
Fabrício Reis, advogado especializado em direito à saúde, explica que a medida é usual. "A União pode fazer isso, ainda mais se identificar que o valor não foi devidamente aplicado. Geralmente, dá para conseguir desconto em um remédio como esse. Quando tem sequestro de verba pública, se sobrar algum montante, a família faz a devolução por meio de depósito judicial. O ideal é fazer a prestação de contas o mais rápido possível, pois outras crianças e pessoas precisam desses recursos", ressaltou.
Sobre pedir a restituição com argumento econômico, Reis explica que discorda do pedido do Estado. “Como advogado mais especializado no paciente, não concordo com o argumento econômico de que se pagar um remédio muito caro para um outros ficarão sem. Não é verdade. Há problemas variados dentro do SUS. O direito à saúde é fundamental e está na Constituição. Todo mundo tem direito ao tratamento. Claro que tem influência no orçamento, mas toda vida tem valor imensurável. Limitar a saúde pensando só na questão econômica vai contra a dignidade do paciente. Esse argumento é comum em casos de doenças raras”, acrescentou o advogado.
Entenda como ocorrem sobras milionárias
A atrofia muscular espinhal (AME) ficou conhecida devido o preço do remédio, o mais caro do mundo: R$ 12 milhões. Porém, quando as famílias adquirem o medicamento, é concedido um desconto milionário pelo laboratório sob cláusula de confidencialidade, imposta pela Novartis. No caso de famílias que conseguem o recurso ou parte dele pela Justiça, é necessário devolver à União o montante que sobrou, após a compra do remédio e, em seguida, prestar contas dos gastos com a medicação.
Questionada pelo Correio se a família fará a prestação de contas com o Estado, Kayra Rocha explica que fará o mais breve possível. "A liminar fala que, após a administração da terapia gênica, temos o prazo de 30 dias para apresentar a prestação de contas. Ela tomou o remédio no dia 19/11 e a petição será feita em breve com a solicitada prestação de contas, mesmo antes do prazo estabelecido", explica.
Relembre o caso
Com 10 meses de idade, a bebê foi diagnosticada pela equipe de médicos do Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília. A família desembarcou de jatinho na capital paranaense no primeiro sábado do mês (7/11), contando com a ajuda de um grupo de empresários no transporte. A previsão é que a família fique em Curitiba até o mês de dezembro para que a criança passe por avaliações médicas e faça coletas de sangue.
Genética e rara, a AME é uma doença neuromuscular, grave, degenerativa e irreversível, que interfere na capacidade do corpo de produzir uma proteína considerada essencial para a sobrevivência dos neurônios motores (SRM), responsáveis por movimentos voluntários como respirar, engolir e se mover.