Em parecer divulgado nesta terça-feira (24/11), a Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região (PRT-10) manifestou-se contra os projetos de lei em tramitação na Câmara Legislativa que regulamentam a educação domiciliar no Distrito Federal. No texto, a procuradora Ana Maria Villa Real afirma que as propostas são inconstitucionais e podem resultar no "recrudescimento dos índices de violência infanto-juvenil".
Em apreciação da matéria em primeiro turno, na terça-feira (17/11), 11 parlamentares votaram a favor da do projeto de lei, e cinco, contra. O texto sob avaliação da Câmara Legislativa é um apensado de três projetos — um da deputada Júlia Lucy (Novo), um do deputado João Cardoso (Avante) e outro do Governo do Distrito Federal (GDF). Os três tratavam do mesmo tema e haviam sido protocolados na Casa.
Na prática, a medida pode autorizar pais e famílias a promover o ensino pedagógico de crianças e adolescentes em casa, sem a obrigação de enviar os estudantes às escolas. No entanto, os responsáveis deverão seguir alguns critérios e caberá ao poder público monitorar as atividades do homeschooling. A votação em segundo turno está na pauta desta terça-feira (24/11) na Casa.
Para a PRT-10, as novas regras são inconstitucionais. "(O projeto) ultrapassa a competência legislativa do DF, pois a Constituição Federal (...) estabelece que a edição de normas sobre 'diretrizes e bases da educação nacional' é (de) competência legislativa privativa da União", afirma o parecer da procuradoria.
Em outro ponto, a procuradora Ana Maria lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o tema só pode ser regulado pelo Congresso Nacional. "É importante mencionar que, além da flagrante inconstitucionalidade acima exposta, o STF teve a oportunidade de tratar sobre a matéria (...), tendo decidido que a prática de ensino domiciliar no território nacional, embora não seja contrária ao texto constitucional, deve ser precedida de regulamentação por lei formal, necessariamente editada pela União, por seu Legislativo — Congresso Nacional", diz a nota.
Ainda na avaliação da PRT-10, o ensino em domicílio "jamais propiciará uma educação de tamanha amplitude, pois, a partir do momento em que as crianças se afastam do convívio humano, que traz ínsita a ideia de diversidade, serão privadas dessa dimensão do aprendizado, que é essencial ao processo de construção da sua personalidade e cidadania".
Violência
Outra preocupação da procuradoria é que a permanência de crianças e adolescentes por mais tempo em casa aumente os casos de violência doméstica e de abuso sexual contra essa parcela da população.
"Como se vê, a autorização indiscriminada prevista em lei distrital para a educação domiciliar, sem a devida, necessária e pormenorizada normatização e sem a implementação de novos e aperfeiçoados programas, serviços e mecanismos de proteção às crianças nela envolvidas pode resultar no recrudescimento dos índices de violência infanto-juvenil e também da subnotificação desses casos, em razão do distanciamento da rede de proteção contra a violência doméstica", complementa o documento.
O texto traz dados de 2019 do Disque 100, levantados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que mostram que 73% dos casos de violência contra crianças e adolescentes ocorrem na casa da vítima ou do suspeito, sendo que 64% dos agressores são do convívio familiar das pessoas violentadas.
Em relação à violência sexual, segundo o MPT, 73% dos casos acontecem na casa da vítima ou do suspeito, sendo que 87% dos agressores são homens, entre os quais 40% são os pais ou padrastos das crianças e dos adolescentes.
Divergências
O posicionamento da PRT-10 é oposto ao da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação do (Proeduc), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Nessa segunda-feira (23/11), o grupo emitiu nota técnica na qual afirmou que o DF tem autonomia e competência para elaborar o projeto de lei que autoriza a educação domiciliar.
No documento, a Proeduc defendeu que o modelo de educação em debate está de acordo com o princípio fundamental do pluralismo político e com o sistema jurídico-legal em vigência. "A família tem a liberdade de escolher e promover a educação de maneira distinta da educação tradicional de massa, realizada no ambiente escolar, assegurando-se o pluralismo político no contexto educacional", diz o documento.