Adelina Benedita Alves Santiago dedicou 25 de seus 53 anos à Coordenação Regional de Ensino de Ceilândia. Em toda a trajetória docente, um tema sempre esteve presente: o antirracismo e a valorização da beleza negra. Com o projeto “Rainhas Coroadas” nas escolas públicas de Ceilândia, muitas crianças conseguiram retomar a autoestima, muitas vezes minada pelo racismo implacável da sociedade.
A proposta era levar às escolas oficinas de turbantes para que as crianças pudessem confeccionar seus próprios adereços e, ao final da produção, eram coroadas com os ornamentos. “Quando criança, a menina negra ou menino negro nunca tinha oportunidade de ser a rainha da pipoca na festa junina. Isso proporciona uma alegria, da baixa estima para a autoestima, na expressão de corpo”, relata a educadora.
Em sua trajetória na Secretaria de Educação do Distrito Federal, 17 anos foram dentro da sala de aula, onde alfabetizava estudantes na educação de jovens e adultos (EJA). Ela ministrou aulas em 96 escolas urbanas e cinco rurais, onde sempre abordava a questão racial, em especial junto aos alunos negros. Em 2010, passou a integrar a pasta de Direitos Humanos e Diversidade, na regional de ensino, e a se dedicar exclusivamente ao tema.
Uma das frentes era cultivar a cultura negra dentro das escolas, levando as oficinas de turbantes, e de bonecas, rodas de leitura afro e palestras às unidades educacionais. Por outro lado, a formação de professores na temática também é de fundamental importância na educação antirracista e acolhimento de estudantes.
Diálogo
“Comigo sendo negra, eles se sentiam representados. Não tinha essa barreira entre professor e aluno. Nós tínhamos um diálogo por igual diante das nossas características”, revela a educadora. Adelina aposentou-se em 2018, mas o projeto continua nas escolas de Ceilândia: um legado da educadora para a comunidade.
Mineira de Paracatu, Adelina mudou-se para Ceilândia em 1984, quando foi estudar pedagogia na Universidade Católica de Brasília (UCB). Filha de pedreiro — quetambém é educador popular — e uma salgadeira, ela conta que eles foram grandes inspirações para ela e os sete irmãos. Dos oito filhos, seis acabaram trabalhando na área de educação.
Ela tem dois filhos: Lirian, 32, e Samuel, 29. Os dois tiveram filhos durante a pandemia, com pouco mais de um mês de diferença. “Apesar da tristeza pelas vidas levadas, essa pandemia me trouxe muita satisfação: dois netos e uma chacarazinha, que é o meu descanso”, narra a professora.
Apesar de ter deixado a sala de aula, Adelina continua educando crianças quanto à temática racial. Ela desenvolve, atualmente, o projeto Uma visita importante em minha casa, inspirado em proposta similar existente na Escola Classe 47 de Ceilândia. A ideia é levar uma boneca negra para o lar de crianças brancas, com o objetivo de romper com racismos introjetados ou dar representatividade negra para essas crianças.
“Pais que querem romper questões de racismo com criança solicitam a boneca. Ela vai visitar e fica na casa pelo tempo que os pais determinam. Nesse momento, essa boneca está aqui em Pirenópolis (GO), na casa de uma mãe branca que tem três crianças. Não foi por racismo, mas ela pediu para convivência das crianças, para educar melhor os filhos”, conta.
Adelina é também pós-graduada em historiografia da África e dos afrodescendentes pela Universidade de Brasília (UnB). Mas a luta contra o racismo começou cedo.
Desde 2016, ela faz parte da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e Entorno, uma articulação regional para o enfrentamento do racismo e sexismo. Durante a pandemia da covid-19, a organização tem feito um importante trabalho de atendimento a famílias vulneráveis no Lucio Costa. Cerca de 15 famílias, com mulheres como chefes de família, receberam cestas básicas, cestas verdes, máscaras para proteção e cadernos pedagógicos desenvolvidos por integrantes da Frente, uma vez que são famílias com dificuldade de acesso ao ensino remoto.
Com a aposentadoria, Adelina foi viver com o companheiro, Jalmir, em Pirenópolis, onde integra o coletivo Ominira (liberdade, em orubá). O grupo foi criado em 2019, a partir da necessidade de se discutir questões antirracistas e estudos sobre africanidades. O grupo é misto, participam mulheres e homens, negras e brancas, com objetivo de incluir a branquitude na luta antirracista.
Empreendedorismo
A partir do projeto “Rainhas Coroadas”, Adelina criou sua marca de adereços, com o mesmo nome. Atualmente, vende sua produção na Feirinha de Pirenópolis, no coreto, aos fins de semana. Mas, o empreendedorismo é uma iniciativa de grande peso também na Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e Entorno, da qual várias participantes divulgam os próprios negócios.
“Eu vejo muita importância, porque muitas dessas mulheres tiram seu sustento das vendas, daquilo que elas próprias confeccionam. E, por a maioria ser mulheres chefes de família, o negócio traz o sustento para casa por meio do seu empreendedorismo”, define Adelina.
A Frente realiza, periodicamente, a Feira Afro com feijoada, na qual as mulheres expõem seus produtos, incentivando e dando visibilidade, também, à cultura negra. Adelina conta que, mais que um ponto de vendas, a ocasião é também uma articulação política em que as pessoas debatem questões raciais.