Mulher negra, nordestina, bissexual e do axé. São vários os elementos que tornam a vida de Raíssa Gomes, 30 anos, ou Raio Gomes, como é chamada desde a adolescência, em uma existência de resistência. Mas ela não permite que as dificuldades definam sua trajetória. “É importante mostrar a nossa capacidade de se colocar em lugares para além da dor. O sofrimento está dado, não vou fingir que não ocorre, mas não vou deixar que isso determine o meu lugar no mundo, o que eu sou, o que vou fazer e qual é a minha atuação”, afirma.
A jornalista tem uma importante atuação na produção de conteúdo com referências negras. Desde março, ela desenvolve o projeto Para, Raio, cujo objetivo é apresentar ao público diversos especialistas negros nos mais variados assuntos. “A gente que é jornalista, muitas vezes, busca fontes e se depara sempre com especialistas brancos. Dizem que é difícil achar, e o programa vem para mostrar que temos fontes negras para falar sobre tudo”, explica. O projeto fez, até o momento, 43 entrevistas abordando diferentes temas. Entre as convidadas, Raíssa Gomes recebeu Anielle Franco, irmã de Marielle Franco, em um debate sobre mulheres negras na política; e Jaqueline Góes, que sequenciou o genoma do novo coronavírus no Brasil.
O programa recebeu o I Prêmio Neusa Maria de Jornalismo, iniciativa de repórteres negros com apoio da agência Alma Preta visando o reconhecimento de produções jornalísticas de pessoas negras, trans e indígenas. A premiação homenageia a jornalista Neusa Maria Pereira, uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado (MNU). A série de entrevistas está disponível no perfil @raiogomes, no Instagram; e no canal Raio Gomes, no YouTube.
História
Raissa chegou a Brasília, do Recife, aos 8 anos, com os pais, e se considera uma brasiliense convicta. Filha de um professor universitário e uma terapeuta, ela convive com a militância desde cedo. Seus pais se conheceram dentro do movimento negro e passaram esses valores dentro de casa. Na infância, aos 10 anos, sofreu racismo na escola privada onde estudava: colegas picharam dizeres racistas no muro da escola. Na ocasião, seus pais foram pedagógicos e fizeram uma formação com os professores na escola para sensibilização dessa temática
“Esses valores que passam dos pais para os filhos e vão se propagando. Da mais tenra idade, pessoas negras têm que aprender a lidar com isso e nem sempre a equipe pedagógica da escola está apta para formar as crianças nesse sentido. Mas, nessas atitudes, como a dos meus pais, algumas coisas foram se transformando”, avalia.
Hoje, Raissa busca passar os mesmos valores para o filho Malik, 9, e vê mudanças no sistema escolar atual, mas garante: ainda há muito para se avançar na educação antirracista. A maternidade foi um divisor de águas na vida de Raio — a experiência potencializou a vontade de transformar a realidade. “Quero que meu filho viva e veja as coisas sobre esse olhar que não é determinado pelo racismo e, sim, pelas coisas maravilhosas que a gente faz e fez enquanto povo para existir e continuar”, relata.
Raissa considera fundamental incluir, na formação de Malik, a história de seus ancestrais, muitas vezes esquecida ou deturpada em livros didáticos. “Não quero que meu filho seja, simplesmente, educado pela história majoritária, a história branca contada nas escolas de que o papel do negro, no Brasil, é ser escravo. Existem outras narrativas além da que é contada na escola”, completa.