“Eu não sou concreto, eu sou quebrada!” É com essa afirmação que Meimei Bastos termina o poema Eixo, do livro Um verso e Mei. A obra, primeira publicada pela poeta de 29 anos, escancara os contrastes entre o Plano Piloto e a periferia do Distrito Federal. Escritora, educadora e produtora cultural, a moradora de Samambaia tem a região administrativa como musa para uma obra artística que busca mudar o imaginário sobre a periferia e realçar as potências das margens da capital do país.
“As narrativas compartilhadas a respeito das periferias do DF são de que elas são lugares de carência e criminalidade. Não é compartilhado que há uma produção cultural, que existem poetas, artistas, músicos e compositores dentro das periferias, nem que eles são artistas muito qualificados. Busco parar de fortalecer a ideia de que na quebrada só existe crime, dor e sofrimento”, destaca Meimei.
Com esse propósito em mente, ela criou o Slam Q’Brada, um campeonato de poesia falada com artistas do DF e Entorno. A competição itinerante passa por diversas regiões administrativas, onde os poetas apresentam textos autorais e recebem nota por eles. Meimei acredita que movimentos como esse, de fomento à cultura, podem dar novas referências e possibilidades aos jovens de fora do Plano Piloto. “Acredito que você só sonha com o que vê. Como vai sonhar em ser escritor, poeta, advogado, diplomata, político se você não está em contato com essas carreiras no dia a dia? É um sonho muito distante. A intenção com o Slam é justamente encurtar isso. Trazer essas figuras e a possibilidade de sonho para a periferia”, comenta.
Filha de uma empregada doméstica e um comerciante, a escritora sempre estudou em escolas públicas do Distrito Federal. A conexão com a literatura começou na infância, por meio das histórias contadas pelos pais, pelas tias, vizinhas e, principalmente, pela avó. Mas foi Pixinguinha quem a impactou com a palavra escrita, pela primeira vez, nos versos de Carinhoso. “Vi um trechinho e foi como se um universo se abrisse pra mim. Fico emocionada, porque foi lindo. Eu era pequena e, naquele momento, senti muita vontade de fazer algo igual, de fazer das palavras algo bonito”, recorda-se.
História
No ensino fundamental, Meimei tornou-se uma leitora voraz. Ela começou a refugiar-se na biblioteca da escola por sofrer bullying dos colegas, devido à cor da pele e à religião que seguia — à época, ela seguia a crença dos pais, o espiritismo. “Para me proteger das ofensas e da violência, eu ia para lá (a biblioteca), onde encontrei Maria Carolina de Jesus, Machado de Assis. Depois desse encantamento todo, já escrevendo, tornei a escrita e a literatura meu escudo e minha flecha”, relata.
Aos 18 anos, a poeta tornou-se mãe. Sem divisão igualitária das responsabilidades com o pai da criança, sustentar a filha sozinha não foi tarefa fácil. A sobrecarga pelo excesso de tarefas da maternidade quase a adoeceu. “Tive situação de dificuldade mesmo, de chegar no fim do mês e não ter comida na geladeira. Tudo isso eu passei porque vivemos em uma sociedade patriarcal, que sobrecarrega as mulheres e tira a responsabilidade dos homens. Não quero fortalecer essa imagem de guerreira, porque isso adoece a gente. Temos de dar conta de situações porque os homens não tomam esse lugar, porque eles não assumem as responsabilidades que eles têm”, observa.
Mesmo com os obstáculos, Meimei considera que a maternidade abriu portas para ela. “Minha filha veio para somar. Eu poderia ter desistido de todos os meus sonhos, mas foi a partir de minha filha que sonhei ainda mais. A Sofia estava ali, me dando força, e ela nem sabia. Aquela mãozinha (da criança) acalentou muito o meu coração”, completa a escritora.
Inspiração
Professora de artes na Secretaria de Educação desde o ano passado, Meimei dá aulas em uma escola pública de Samambaia. O envolvimento, desde cedo, com produções culturais como cineclubes, saraus e apresentações colocou-a em destaque. Aos 24 anos, a poeta venceu o primeiro Slam das Minas e representou o DF no Campeonato Nacional de Poesia Falada — Slam BR. A oportunidade levou-a para fora da capital federal pela primeira vez. “Tive contato com outras pessoas, vi outras realidades e ter essa experiência me fez querer fazer o Slam Q’Brada”, conta.
Na publicação de Um verso e Mei, em 2018, a moradora de Samambaia abordou temas como racismo, machismo, intolerância, elitismo e luta de classes. “São questões importantes de serem trabalhadas porque sou atravessada por elas.” Com a obra, Meimei tornou-se uma das autoras selecionadas para o projeto Mulheres Inspiradoras, da professora Gina Vieira Ponte, que busca dar visibilidade e representatividade às figuras femininas por meio de literatura feita por mulheres e sobre o feminino.
Para Gina, o trabalho de Meimei subverte conceitos estereotipados. “Ela pega essa representação que nos estigmatiza como menores, como menos potentes, como marginais e mostra a potência, a beleza, as contradições, os desafios, as dificuldades, a geografia, a paisagem, o panorama dessa periferia que tem uma manifestação cultural muito forte, eloquente. Uma periferia que não se cala diante das opressões”, avalia a professora.