Uma mostra artística levará, a partir desta quinta-feira (19), histórias de negras e negros da capital do país para pontos de ônibus dos setores Comercial Sul (SCS) e Bancário Sul (SBS). A exposição histórico-fotográfica Reintegração de posse — Narrativas da presença negra na história do Distrito Federal pretende chamar a atenção do público para a presença dessa população em diversos espaços sociais de Brasília, desde a fase de construção da cidade. A iniciativa partiu da Administração Regional do Plano Piloto, com apoio da Embaixada da Bélgica no Brasil, e ficará disponível até fevereiro.
“É uma exposição antirracista. Contamos a história do Brasil ao longo das décadas”, destaca a coordenadora-geral e curadora da exposição, Ana Flávia Magalhães Pinto, professora do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). “O dinamismo do Distrito Federal tem sido possível graças à existência de indivíduos, famílias e outras coletividades negras. Nossa finalidade é convidar as pessoas a refletir sobre o enfrentamento ao racismo nesta cidade em que pessoas negras são quase 58% da população”, completa Ana Flávia.
A ideia da exposição surgiu após uma visita de alunos do curso de história da UnB ao Arquivo Público do Distrito Federal (ArPDF), em 2018. O grupo fazia parte de um projeto de iniciação científica e extensão acadêmica da universidade. “Eles tinham interesse de pensar a respeito das histórias negras. Ficaram surpresos com a alta frequência com que os negros apareciam nas fotografias do DF em diferentes décadas. Vimos que precisávamos dar visibilidade a essas imagens”, conta Ana Flávia.
Atualmente, o projeto conta com a participação de alunos de diversos cursos da UnB e, também, da comunidade de fora da universidade. Cerca de 20 pessoas integraram as etapas de pesquisa, triagem, montagem e monitoria. As fotografias passaram por seleção, antes de definidas como parte da exposição. “Inicialmente, fizemos uma pesquisa com todas as imagens em que apareciam pessoas negras no Arquivo Público. Depois, as imagens das décadas de 1950 a 1990 foram agrupadas por temática, nos eixos das diásporas internas, da luta por moradia, educação, cultura e pelo mercado de trabalho, do ativismo, da infância, do gênero e da violência”, detalha a curadora.
Construção
Desde o lançamento da mostra, em setembro de 2019, a exposição passou pelo Museu Nacional da República, pelo Restaurante Universitário da UnB e pela Câmara Legislativa. Aproximadamente, 20 mil pessoas conheceram a exposição. Administradora do Plano Piloto, Ilka Teodoro afirma que o novo local da exibição foi escolhido estrategicamente. “Ocupamos o espaço dessas paredes em uma localidade que tem o segundo maior fluxo de pessoas da área central de Brasília. Além disso, democratizamos o acesso às imagens”, explica.
Com a perspectiva do novembro negro, Ilka Teodoro considera que a exposição resgata os rostos de quem fez parte da construção de Brasília. “(A mostra) é muito bonita. Tivemos a ideia de levar a exposição para um espaço público sem aglomeração, onde as pessoas transitam diariamente. Resgatamos a história da cidade, que se cruza com as vidas das pessoas. Queremos que haja reflexão sobre isso”, acrescenta a administradora.
Pesquisa
Dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad-DF) de 2018 revelam que a população da capital federal é composta por 57,6% brasilienses que se consideram pretos (10,1%) ou pardos (47,5%). À época, o DF contava com 2,8 milhões de habitantes. O mesmo estudo mostrou que a maior parte dessa população negra (73,9%) faz parte de grupos de renda média-baixa ou baixa, concentrados, principalmente, nas regiões administrativas da Fercal e da Estrutural. Entre a faixa de alta renda, a presença de negros corresponde a apenas 7,7%. As áreas com menor distribuição dessa parcela são Lago Sul, Jardim Botânico e Park Way.
Envolvido com estudos sobre modelos de segregação racial em Brasília e em Joanesburgo, na África do Sul, o historiador Guilherme Lemos participou da organização da exposição. Ele destaca que 70% da população do Plano Piloto é composta de pessoas brancas, e a quantidade é inversamente proporcional à composição das outras regiões administrativas. “A partir dessa reflexão, e também sendo uma pessoa negra de cidade-satélite, estabeleço esse comparativo com Joanesburgo, que sofreu uma reestruturação nos anos 1950, por conta do apartheid ”, ressalta.
Para Guilherme, a exposição dá sentido à luta da população negra. “Além de resgatar um pouco da história dos meus avós e do meu pai nesta cidade, a mostra traz para dentro da narrativa histórica de Brasília as pessoas que normalmente são apagadas em detrimento dos grandes nomes, que supostamente construíram a cidade, como Juscelino Kubitschek e Lucio Costa”, pondera Guilherme Lemos.