Descompasso, assertividade e compreensão
Na bem-sucedida série de tevê The walking dead, os espectadores podem observar uma gritante mudança na forma de os heróis lidarem com os zumbis. Quando esses mortos-vivos aparecem, a primeira reação é de gritaria e correria. Com o tempo, porém, as pessoas percebem que os monstros, apesar de perigosos, são lentos. Às vezes, dá até para ficar perto deles sem muito estresse. Lá pela quinta temporada, uma das personagens chora encostada em uma árvore quando ouve um desses seres se aproximando. Sem pressa alguma, ela termina de enxugar as lágrimas, faz uma cara de “ai, que saco” e só então se vira para cravar uma faca na cabeça do pobre.
Lembro dos zumbis da televisão porque percebo que muitos passaram a ter com o coronavírus uma relação parecida. Sabem que a doença é real e apresenta riscos, mas acham que dá para circular em meio à pandemia sem muito estresse. Muitos já começam a relaxar as medidas de prevenção que nos preocuparam tanto no começo. Organizam festas, vão a restaurantes, abrem a casa a amigos (que vão até a casa dos anfitriões). O problema é que o zumbi é de mentira, mas o vírus é de verdade. E, se para alguns, significou uma gripezinha, para outros foi letal e continua muito ameaçador. Entramos em descompasso. Os que se preocupam olham atônitos os que relaxaram, que, por sua vez, acham os cautelosos um bando de exagerados. Como conciliar?
Dia desses, recebi uma mensagem de um amigo que há tempos não vejo. O texto de WhatsApp trazia um convite que, embora eu desejasse muito aceitar, não podia: “Vamos nos ver. Sair para um bar, aberto. Cansei desse isolamento!” Eu estou com saudade dele e ele de mim. Sentar para beber uma cerveja e colocar o papo em dia seria um prazer e tanto. Mas continuo limitando minhas saídas para reduzir a chance de acabar levando o vírus para pessoas próximas e mais vulneráveis. Tive de dizer não, não havia outro jeito. E fui sincero. Respondi que sinto falta dos nossos encontros, mas que ainda estou com medo de ir a um boteco.
Tempos assim exigem o que psicólogos chamam de assertividade, ou seja, a comunicação direta, sem rodeios, mas também sem hostilidade ou agressividade. Brasileiros têm dificuldade com a assertividade. Incapazes de ouvir e de dizer não, preferem deixar as coisas meio no ar. Em vez de recusar um convite, preferem um “vamos ver...”. Pessoas assertivas acabam vistas como ríspidas, mal-educadas. Mas estou certo de que precisamos, mais do que nunca, ser assertivos. “Por favor, coloque a máscara”, “por favor, não encoste”, “obrigado, estou com saudade, mas não posso ir à sua festa”. Nada de mal, pelo contrário, em dizer tais frases. E quando ouvi-las, por favor, seja compreensivo. Quem as diz tem a mais nobre das intenções: salvar vidas de pessoas amadas.