Internada há mais de um mês no Hospital da Criança de Brasília, a bebê com síndrome de Down Ana Vitória Souza Santos, de seis meses, ainda aguarda cirurgia de cardiopatia congênita e corre risco de morte. Na luta pela sobrevivência, a criança apresentou febre de 38,3°C ontem (2/11) e apresenta dificuldade para respirar. A família providencia orçamentos de hospitais particulares para verificar a possibilidade de realizarem o procedimento cirúrgico.
“Ela passou o dia todo muito febril e começou a piorar. Está com a tosse cheia e agoniada, sentindo dor. A minha filha só consegue dormir um pouco quando os remédios fazem efeito. É muito triste isso enfrentar tudo e não ter previsão da data da cirurgia”, conta a mãe Zilene Souza Lopes.
No último domingo à noite, o juiz de direito substituto Clodair Edenilson Borin, da 5ª Vara da Fazenda Pública e Saúde Pública do DF, indeferiu o pedido de intimação para que os hospitais Brasília, Santa Lúcia, Instituto de Cardiologia de Brasília e DF Star apresentem orçamento e informem se possuem condições técnicas de realizar atriosseptoplastia, ventriculosseptoplastia e plastia de valvas atrioventriculares na Ana Vitória.
Borin considerou que a família dela deve apresentar os orçamentos, a fim de viabilizar o sequestro de verbas públicas em caso de descumprimento da decisão judicial.
Com dificuldade para ingerir os alimentos, a criança não está ganhando peso. “Tenho muito medo da minha minha filha apresentar quadro de pneumonia ou sofrer uma parada respiratória. Até agora, ela não testou positivo para a covid-19. Deus é muito misericordioso”, desabafou a mãe.
Intimação
No dia 27 de outubro, o juiz Henaldo Silva Moreira, da 5ª Vara da Fazenda Pública e Saúde Pública do DF, determinou o prazo de 24 horas para que a bebê fosse operada. Foram intimados o Secretário de Saúde, a Central de Regulação de Internação Hospitalar, a Central de Cirurgias Eletivas da Secretaria de Saúde e o Núcleo de Judicialização a comprovarem o cumprimento da tutela de urgência, sob pena de multa de R$ 4 mil por dia de atraso.
De acordo com Janaina César Doles, advogada da família da criança, o Judiciário tem determinado que as cirurgias sejam feitas, mas as ordens judiciais não estão sendo cumpridas. “O cenário conta, inclusive, com a um acordo entre a Defensoria Pública e o governo. É necessário que os agentes públicos sejam responsabilizados pela omissão e pelo descumprimento reiterado das ordens judiciais, pois isto fragiliza a confiança das pessoas no judiciário”, apontou.
Autorização para procedimento
Em nota, a Secretaria de Saúde informou, na semana passada, que o procedimento de Ana Vitória foi autorizado pela pasta para ser executado no Instituto de Cardiologia do Distrito Federal (ICDF) em 9 de outubro. "O ICDF deverá reinserir a paciente no sistema para que a Central de Regulação possa autorizar nova data para execução. No momento, a paciente está na enfermaria e sem necessidade de UTI", destacou.
O ICDF indicou, em nota publica em 14 de setembro, que reduziu os atendimentos devido à escassez de insumos médicos e hospitalares e, desde 17 de agosto, suspendeu todas as internações eletivas, principalmente para procedimentos cardíacos. "Ressaltamos que o ICDF não interrompeu o atendimento de cirurgias cardíacas de emergências, principalmente pediátricas, e transplantes", reforçou o texto.
O instituto se comprometeu a solucionar o problema o mais breve possível. À época, 79 crianças aguardam convocação para realizar cirurgia ou procedimento no ICDF. "Entre as ações emergenciais propostas pelo Instituto de Cardiologia estão a melhor comunicação e transparência da fila cirúrgica. Desde o fim de agosto o hospital disponibilizou o acesso de forma virtual, em tempo real, da fila cirúrgica para melhor acompanhamento da secretaria de Saúde, Ministério Público (MPDFT), Tribunal de Justiça (TJDFT) e Defensoria (DPDF)."
A Defensoria Pública informou que o acordo estabelecido com o Distrito Federal na ação coletiva prevê a retomada da realização de cirurgias cardíacas neonatais e pediátricas no número máximo contratado de 17 cirurgias por mês. "Antes (do acordo), o serviço estava interrompido. O acordo prevê, ainda, expansão para 25 cirurgias em dezembro e 29 a partir de março de 2021. Há, também, expressa menção que o acordo não afeta ou impede ações individuais ou mesmo novas ações coletivas que se fizerem necessárias. Por fim, ressaltamos que o acordo contou com a participação e anuência do MPDFT e que foi homologado pelo Poder Judiciário", informou a DPDF, em nota.
O Correio entrou em contato com o ICDF para saber se já fez a reinserção da Ana Vitória no sistema, mas não teve resposta.