SOLIDARIEDADE

Famílias de catadores de recicláveis pedem ajuda para sobreviver à pandemia

Com o distanciamento social provocado pela pandemia de covid-19, o trabalho de ajuda ficou a cargo de entidades sociais

Sarah Peres
postado em 05/11/2020 06:00
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

O chão de terra batida dá base para os pequenos barracos de madeirite que se levantam pela capital federal e servem de moradia a pessoas em situação de vulnerabilidade. A cena não é difícil de encontrar pelas regiões administrativas e mostra uma realidade dolorosa. Às margens das pistas que cortam a 907/908 Norte, famílias apertam-se para viver e descansar após um dia exaustivo de trabalho. O sustento delas vem da tarefa de recolher materiais recicláveis em carrinhos de mão. Essa é a vida que levam centenas de catadores por não conseguir o suficiente para sair das ruas.

A ajuda a esses catadores chegava, por vezes, graças à iniciativa de alguns moradores de quadras próximas. Antes da pandemia, eles costumavam parar os carros perto dos barracos e deixar alimentos, roupas ou fraldas, para os bebês que moram no local. No entanto, com o distanciamento social provocado pela pandemia de covid-19, esse trabalho ficou a cargo de entidades sociais. Uma delas é a organização não governamental (ONG) BSB Invisível. Enquanto muitas pessoas não tinham como sair de casa, integrantes desse grupo seguiram recolhendo doações para entregar a população em situação de rua.

Para Pedro Campos, 24 anos, um dos cofundadores da BSB Invisível, a maior dificuldade em prosseguir com as ações apareceu durante o processo de entrega dos itens recebidos às pessoas em condição de vulnerabilidade. “Continuamos recebendo alimentos e ajuda monetária para auxiliar essas pessoas, mas nem todos quiseram se disponibilizar a sair de casa e se expor para ir até os grupos (atendidos). Apesar da pandemia, seguimos trabalhando, pois sabemos que, neste momento, mais do que nunca, essas pessoas precisam de nossa empatia e ajuda”, destaca Pedro.

Ana Carolina Silva Oliveira, 29, faz parte de uma das comunidades visitadas pela ONG. Há cinco meses, a catadora de materiais recicláveis teve de deixar a casa onde morava, em Santo Antônio do Descoberto (GO), para sobreviver com a família no Setor de Grandes Áreas Norte (Sgan). A mudança ocorreu quando o marido dela, Bernardo Amaral, 39, perdeu o emprego de auxiliar de serviços gerais. Agora, o casal e os filhos, Benjamin, 2, e Dafni, de três meses, dividem um barraco de um cômodo.

Mais conhecida como Carol entre as 20 famílias que moram no Sgan, Ana Carolina descreve a dificuldade que precisa enfrentar diariamente. “Eu me sinto triste com a situação em que meus filhos estão, morando nas ruas comigo. Estamos expostos aos perigos, à chuva, ao frio e à possibilidade de sermos despejados a qualquer momento. Tentamos nos manter e contamos com pessoas que estão dispostas a ajudar”, relata Ana Carolina. “Com tudo o que ocorreu, o que nos sobra é a fé de que nossa vida vai melhorar, que poderemos alugar nossa casa e criar nossos filhos. Não há felicidade nessa vida da rua”, lamenta a catadora.

Exposição

Pedro Campos, da ONG BSB Invisível, conta que muitas empresas de alimentos e roupas que fecharam as portas por causa da crise decidiram doar o que tinham para pessoas em situação de vulnerabilidade. “Com a ajuda, pudemos auxiliar os moradores do Sgan, assim como a ocupação de catadores do Noroeste, na área próxima à Colina, da UnB (Universidade de Brasília), e perto do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil)”, afirma.

A catadora Antonia Meire Correia Lima, 47, detalha as dificuldades que o grupo passou a enfrentar desde que pandemia começou. A queda na quantidade de resíduos recicláveis disponíveis em locais públicos, devido ao fechamento de comércios, castigou a renda das famílias. “Infelizmente, para nós, a covid-19 tornou o serviço (de coleta) ainda mais difícil. Mas ela não alterou nossa rotina, pois ficamos nas ruas, expostos. Nesse momento, contamos muito com as doações. Os alimentos recebidos, cozinhamos e dividimos entre todos os que moram aqui. É assim que estamos vivendo”, conta Antonia Meire.

Em meio às dificuldades para trabalhar na pandemia, a catadora Katia Andrade da Conceição, 29, também passou a depender da ajuda do próximo. Ela considera que a situação resulta em um “sentimento de impotência”. “Ninguém quer viver de doação, sem saber o que vai comer no outro dia. A gente luta para conseguir o nosso e poder sair dessa vida. Precisamos que as pessoas saibam que nem todos os que estão nas ruas escolheram essa vida”, destaca.

Responsabilidade

Professora do curso de serviço social no Centro Universitário Iesb Oeste, Erci Ribeiro lembra que os grupos de catadores de recicláveis podem receber ajuda de quem não tem como sair de casa, por enquanto. “Para isso, basta termos a consciência de separar o lixo orgânico do reciclável. O descarte correto da população influencia diretamente na renda dessa categoria, pois a contaminação dos materiais (a mistura com itens não recicláveis) se reflete no valor monetário (recebido pelas famílias)”, explica a docente, que coordena o Projeto Fênix. A iniciativa apoia cooperativas de catadores ao promover a formação de profissionais e conscientizar a sociedade sobre o descarte correto dos resíduos.

Erci acrescenta que essas populações vivem em situação de “vulnerabilidade e risco social”, sobretudo pela nova configuração do serviço, com trabalhadores que deixaram de atuar nos lixões e passaram a integrar as cooperativas. “A mudança coloca em cena a responsabilidade da sociedade e dos estabelecimentos comerciais para o gerenciamento dos resíduos sólidos, com apoio da coleta seletiva. Se separamos corretamente o lixo, ajudamos as famílias a terem materiais recicláveis de melhor qualidade e, assim, maior rentabilidade. Outro modo de auxiliar a categoria neste período de pandemia é doando álcool em gel, máscaras e luvas, para assegurar as medidas de proteção à covid-19”, sugere a professora.

Saiba como ajudar

ONG BSB Invisível

Instagram: @bsbinvisivel_
Telefone: 61 9 8629-7245

Famílias

Setor de Grandes Áreas Norte (Sgan) — 907/908 Norte

Cooperativas

Catamare — Ceilândia

Telefone: 9 9851-8117

Acapas — Asa Norte

Telefone: 9 9955-9567

Planalto — Sobradinho

Telefone: 9 9816-3607

Sonho de Liberdade — Santa Luzia, na Estrutural

Telefone: 3702-8036

Pop de Rua — Paranoá

Telefone: 9 9353-5175

Acoplano — Paranoá

Telefone: 9 8667-9448

Ageplan — Asa Norte

Telefone: 9 8170-5587

Flor do Cerrado — Asa Norte

Telefone: 9 9596-2904

Superação — Samambaia

Telefones: 9 9434-9179 ou 9 8450-7448

Reciclo — Samambaia

Telefone: 9 8497-5269

Copercoco — Asa Norte

Telefone: 9 8592-0455

Cooperfenix — Gama

Telefone: 9 8149-8443

  • Ana Carolina com a filha Dafni, de três meses:
    Ana Carolina com a filha Dafni, de três meses: "Não há felicidade nessa vida de rua" Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Para Katia Andrade, depender de outras pessoas gera sensação de impotência
    Para Katia Andrade, depender de outras pessoas gera sensação de impotência Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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Antonia Meire relata que pandemia tornou coleta de materiais mais difícil
    Antonia Meire relata que pandemia tornou coleta de materiais mais difícil Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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