A cada novo ponto que a linha traça no tecido, a secretária Andréa Faria, 51 anos, respira com mais calma. O bordado e o tricô são refúgio todas as noites, depois de um longo dia de trabalho. No hobby, ela encontrou uma válvula de escape para o estresse diário enfrentado durante a pandemia. A moradora do Guará conta que, antes mesmo da chegada do novo coronavírus, ela fazia acompanhamento com psiquiatra, devido ao histórico de ansiedade, que acabou se agravando diante do cenário atual.
Em julho, Andréa retornou ao trabalho presencial, em um escritório de tecnologia da informação, e o uso constante da máscara aumentou a sobrecarga emocional. “Essas mudanças são ruins, mas, pior ainda, é não saber quando a vida vai voltar ao normal, se é que isso vai acontecer. Esta situação vai levar a gente até não sei onde nem quando”, lamenta. Mas, rememorar as habilidades que aprendeu na adolescência vem ajudando. “Serve como uma terapia, porque você está sentada e fixa a mente no seu movimento, no trabalho em si e acaba esquecendo do resto. Depois que comecei com isso, é difícil pegar no celular para entrar em uma rede social. Fico ali envolta no que estou fazendo e vou indo. Passo horas ali.”
Medo de contrair a covid-19, mudanças na rotina de trabalho e estudos, preocupação com o futuro, entre outros, são fatores que favorecem o acúmulo de estresse. Órgãos globais de saúde confirmam a ligação direta do aumento nos níveis de tensão emocional com a chegada da pandemia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que esses sentimentos são respostas normais diante de ameaças ou incertezas.
Professora de psicologia do Centro Universitário Iesb, Caroline Salles explica que o estresse está relacionado à sobrecarga. “Tem muito a ver com acumular funções sem ter uma rede de apoio que ajude, administrando e dividindo tarefas.” Doutora em psicologia do comportamento, ela destaca que é preciso buscar estratégias para não sucumbir à exaustão. “A gente começou a acumular funções, sem reconhecer limites, e esse é o primeiro passo para lidar com isso.”
Cuidar do sono, ter momentos de lazer e meditar são mecanismos para manejar melhor as emoções. “Não podemos mudar as condições do mundo, então, precisamos aprender a conviver e, nesse aprendizado, dentro desta nova realidade, a gente precisa encontrar uma nova forma de transformar aquilo que, talvez, já não estivesse tão bom. Nem sempre a pandemia gera novas situações de estresse: às vezes, apenas potencializa o que já existe”, detalha Caroline Salles.
Novos rumos
O acompanhamento psicológico tem sido fundamental para o designer Alexandre Ramirez, 27. O apoio profissional vem o ajudando a manter a saúde mental nos últimos sete meses. “A chegada da pandemia foi uma coisa muito louca, porque eu já vinha de um histórico de estresse e ansiedade, muito ligado ao meu trabalho, o que se intensificou de uma forma muito grande, porque todos os meus escapes não existiam mais”, conta. “Sair com meus amigos, viajar, conhecer gente nova, tudo isso acabou. E, eu cheguei em um nível de estresse tão grande, que pedi demissão”, lembra.
Alexandre trabalhava com publicidade e, insatisfeito, optou por buscar outros caminhos. O desemprego durou pouco: horas mais tarde, foi chamado pela mesma empresa a retornar, porém, em outro setor. “Passei a trabalhar com design de experiência e interface. Comecei a estudar, e isso me deu um gás. Me senti renovado, mais feliz, e até voltei a praticar atividade física”, completa. Para Alexandre, a melhora se deu por conta do tratamento psicológico. “Se não fosse a terapia, com certeza eu estaria em uma situação pior, talvez com depressão ou alcoolismo”, ressalta.
A psicóloga Fernanda Barbosa explica que diversos elementos podem elevar os níveis de estresse. Ela atende em uma clínica da Asa Sul e observou um aumento da procura por psicoterapia. “A gente entende que as pessoas têm se percebido mais adoecidas e precisando demandar mais”, avalia. Ela alerta para os sinais que o próprio corpo apresenta diante da sobrecarga: “Se você está muito estressado, com dificuldade de dormir, irritação grande, muito predisposto ao conflito, com sintomas físicos, que variam de constipação e mal estar a dores de cabeça, não espere piorar. Procure ajuda!”.
Em movimento
A prática de exercícios físicos é mais uma aliada no combate à tensão. A técnica para redução de estresse (TRE) é uma atividade semelhante à ioga, em que o objetivo é estimular o sistema nervoso para que ele provoque tremores pelo corpo durante o treino a fim de proporcionar equilíbrio mental. As aulas são oferecidas, gratuitamente, pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES). Normalmente, as sessões são presenciais, mas, com a pandemia, têm sido oferecidas por meio de videoconferências, pelo médico Marcelo Amaral, referência de TRE da pasta.
Ele conta que, nesses sete meses do projeto pela internet, foi possível realizar mais de mil atendimentos. “Adaptei a metodologia para o on-line e comecei a oferecer, inicialmente, aos profissionais da saúde. Com o sucesso, eles começaram a chamar amigos e familiares, e o grupo se tornou mais amplo”, narra. São duas sessões por semana, uma delas sempre dedicada aos iniciantes, que nunca tiveram contato com a técnica. “Quem faz, relata que tem sido fundamental, ajudando a sustentar (a rotina) durante a pandemia”, acrescenta Marcelo.
A jornalista Raquel Flores, 53 anos, pratica a TRE desde 2009, e, hoje, é uma facilitadora — como são chamados os instrutores. Cada aula dura cerca de uma hora, e ela garante que, mesmo com as orientações pelo meio virtual, é possível alcançar os benefícios. “Existe um consenso de que o on-line veio para ficar, e o resultado é efetivo”, afirma. Ela prevê que a técnica também será importante no pós-pandemia. “É uma ferramenta maravilhosa para reduzir o estresse e equilibrar o organismo. Tem me salvado e preservado a minha saúde mental”, finaliza Raquel.
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Como lidar com estresse na pandemia
1 - É normal se sentir triste, estressado, confuso ou irritado durante uma crise. Converse com pessoas que você confia, como amigos ou familiares. Isso pode ajudar.
2 - Em casa, mantenha um estilo de vida saudável: dieta e sono adequados, atividades físicas e interações sociais com entes queridos, por e-mail ou telefone.
3 - Não recorra ao álcool, cigarro ou outras drogas como forma de lidar com as emoções. Se você se sentir sobrecarregado, converse com um profissional de saúde ou terapeuta. Tenha um plano: para onde ir e como procurar ajuda para problemas de saúde físicos ou mentais.
4 - Recorra a habilidades que você usou no passado e que o ajudaram a lidar com adversidades. Use esses recursos para gerenciar suas emoções durante este período desafiador.
Fonte: OMS
Serviço
TRE na rede pública
Quem tiver interesse em participar das aulas de TRE oferecidas pela Secretaria de Saúde pode entrar em contato com a coordenação do programa pelo e-mail tre.ses.gdf@gmail.com. A facilitadora Raquel Flores também oferece aulas. Basta procurá-la pelo telefone: 99975-4314.